Anselmo Cunha/Nonada

Pesquisa revela que 76% dos projetos de leitura sofrem com falta de verba no Brasil

Ainda que impactem cerca de 220 mil pessoas no Brasil, os projetos de incentivo à leitura sobrevivem majoritariamente de recursos próprios ou pontuais. É o que aponta a pesquisa O Brasil Que Lê, estudo que mapeou 382 projetos de formação de leitores, como bibliotecas comunitárias, contação de histórias e outras iniciativas. O estudo é uma iniciativa do Instituto Interdisciplinar de Leitura e da Cátedra UNESCO de Leitura da PUC-Rio em conjunto com o Itaú Cultural.

Segundo o estudo, a principal dificuldade que estes projetos enfrentam é a falta de recursos financeiros, apontada por 76% das iniciativas. Embora 32% contem com algum apoio público, 24% com apoio privado e 24% tenham acesso a editais, um total de 27% dos projetos não têm acesso a nenhum tipo de recurso financeiro. 

Uma das consequências da precarização da área é a necessidade de trabalho voluntário para a sustentabilidade das ações, na medida em que 43% das iniciativas contam apenas com o voluntariado. “São informações que constatam as dificuldades e ao mesmo tempo o esforço de tantos brasileiros e brasileiras que fazem esse Brasil valer a pena. Há transformações que estão acontecendo e há possibilidade de tornar realidade um país que lê”, observa Gilda Carvalho, diretora do iiLer/Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio.

Descaso com o Plano Nacional do Livro e Leitura 

Um destaque revelado na pesquisa é a ausência de projetos que citam o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) como agente de articulação para a atividade. O PNLL foi criado em 2006 a partir de demandas e diálogos entre agentes públicos e da sociedade civil para elaborar diretrizes e metas com o objetivo de incentivar o acesso à leitura e a cadeia produtiva do livro. Desde 2016, no entanto, o Plano foi congelado pelo governo Federal, que não injetou mais recursos para a execução das metas. 

“O plano nacional é um instrumento brilhante e fundamental para a política pública e deveria ser encarado como política de Estado, e não de governo. É uma pena que a gente construa um instrumento tão poderoso que demandou luta de tanta gente e fique à mercê de quem está na cadeira. Isso é muito pequeno para o país que nós podemos ser”, lamenta Denise Ramalho, coordenadora do grupo de pesquisa.

Na avaliação de José Castilho, professor e consultor da área, “o aprendizado do PNLL resultou em uma busca institucional para tentar interromper essa grande chaga da política pública brasileira que é a descontinuidade”. Em 2018, foi aprovada a Lei Nacional do Livro e Leitura, que garante a execução e a renovação do plano. Desde a provação, no entanto, “a lei foi totalmente engavetada como se não existisse”, destaca o professor.

ilustração: Joanna Lira

Em compensação, os planos municipais e estaduais do setor foram citados na pesquisa por 28% e 20% dos projetos, respectivamente, bem como a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (29%) e o Proler (10%), programa dos anos 1990 que ainda resiste. “É interessante perceber a permanência e a intersecção das cidades e dos estados que desenvolveram o desdobramento do Plano Nacional. Há uma grata confirmação de que você tem de fato uma relação de entusiasmo da sociedade civil quando existem políticas públicas na área”, comenta Castilho. 

O descaso com o Plano reflete a mudança que a área do incentivo à leitura enfrentou nos últimos 10 anos em termos de políticas públicas federais. Enquanto, em 2010, o valor injetado na área chegou a R$ 95 milhões anuais, atualmente o que entra de recurso vem diretamente da Lei Aldir Blanc ou de emendas parlamentares, com a estimativa de R$ 45 milhões para a área, somando os últimos três anos.

Perfil dos projetos mapeados

Cortejo cultural na Ilha Grande dos Marinheiros (foto: arquivo/Cirandar)

Os projetos registrados na pesquisa são oriundos de todos os estados brasileiros, com exceção de Acre, Alagoas e Sergipe, se distribuem pelas capitais e interiores e atendem às mais diversas pesso­as. Os mediadores atuam em lugares e com públicos diversos, em um esforço contínuo para criar e desenvolver planos de leitura no país. Pelo menos 74% desses empreendimentos são liderados por mulheres na busca de transpor barreiras socioeconômicas e contemplar, principalmente, população desassistida.

Em sua maioria, as atividades são desenvolvidas por pessoas físicas, em um total de 42,15%, e por bibliotecas, 34,03%. Destes mediadores, 60,21% são professores; 53,14% contadores de histórias; 42,41% fazem mediação em eventos culturais, e 31,41% são bibliotecários. Por um lado, 50,79% deles têm qualificação para a tarefa que desempenham e, por outro, 9,42% não têm formação específica.

O estudo também identificou o conceito de leitura na visão dos responsáveis pelas iniciativas. Para 88% dos entrevistados, a leitura é um meio de ampliação do universo cultural e fonte do conhecimento. Para 79%, também é fonte de diversão. Já 71% veem a leitura como necessária para a formação do pensamento crítico. 

O uso da tecnologia digital por esses projetos foi impulsionado pela necessidade de vencer o isolamento social adotado durante a pandemia de Covid-19. O Brasil que Lê detectou que 79% dos projetos analisados trabalham com, pelo menos, uma mídia social. Ainda, 41% dos projetos apontaram que oferecem ações de acessibilidade cultural a pessoas com deficiência.

Divulgação de atividades e/ou obras literárias, videoconferências e eventos virtuais estão entre as atividades mais realizadas. O Facebook é a rede com maior popularidade entre os projetos de leitura, com cerca de 62% presentes nesta plataforma. Em seguida, o Instagram, com, aproximadamente 60%, e o YouTube, com 37%. Populariza-se, também, o uso de whatsapp: 57% dos projetos utilizam a plataforma, sendo que destes, 30% são trabalhos totalmente desenvolvidos no próprio aplicativo.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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