Recorte em obra de Carolina Alves/divulgação

Arte abstrata também é pop: uma conversa com a artista Carolina Alves

Karolina Bley*

Na década de 40, um livro chamado “The Natural Way to Draw”, do autor Kimon Nicolaïdes, popularizou a técnica artística nomeada de blind contour, ou contorno cego em português. Esse nome, aliás, gera desconforto em parte do público – inclusive da entrevistada desta reportagem – por tratar-se de uma expressão capacitista. Nicolaïdes é reconhecido como um dos primeiros a apresentar esse tipo de desenho ao mundo. 

Nessa técnica, focada na observação do artista, a pessoa não olha para o papel no qual o desenho está sendo feito, apenas para o objeto que está sendo utilizado de inspiração. O artista não tira o lápis – ou o material que estiver em utilização – da base, traçando uma linha contínua, criando apenas o contorno do objeto de forma abstrata.

Para muitos artistas que utilizam a técnica, o primeiro contato ocorreu por meio de outro livro: “Desenhando Com o Lado Direito do Cérebro”, escrito nos anos 80 pela autora Betty Edwards. Foi o caso da gaúcha Carolina Alves, do perfil de arte no Instagram @x230894x. Moradora de Porto Alegre, a artista de 27 anos apaixonou-se pela arte abstrata por volta de seis anos atrás. 

Após diversas tentativas e frustrações para se encaixar na arte realista, Carolina encontrou no abstrato uma forma de se expressar como queria. Faz isso misturando frases e desenhos. Com sua conta no Instagram e uma loja online, a artista consegue se autofinanciar.

Conversamos com Carolina Alves sobre sua obra, política, redes sociais e vida. Confira a entrevista, realizada em 8 de junho de 2022, por videochamada.

Como surgiu seu interesse pela arte? 

Carolina Alves – Eu acho que foi na escola, no ensino fundamental. Eu sempre gostei das aulas de artes, mas eu nunca soube desenhar. Na minha escola ensinavam o básico do básico, mas eu gostava muito de colorir, de aprender sobre formas, essas coisas bem de criancinha mesmo. Só que eu nunca tive incentivo. Em casa, meus pais nunca me incentivaram. Aí, eu parei por muitos anos, pois fazer arte realista pra mim sempre foi muito difícil, eu me frustrava muito, mas era uma coisa legal de se fazer. Em 2014, quando o Facebook ainda era uma febre, muitas páginas publicavam quadrinhos e eu ficava me perguntando qual era o processo de criação, como aquelas artes acabavam chegando nas telas das pessoas. Pesquisei e vi que era basicamente tu fazer um desenho, escanear e postar nas redes sociais. Aí, eu lembro que estávamos começando a migrar do Facebook para o Instagram. 

No mesmo ano, criei uma página e comecei a postar lá de bobeira qualquer coisa que eu fazia. Não queria ter seguidores, só queria postar e desabafar. E virou uma coisa enorme, eu não esperava. Em menos de um ano começou a ter um retorno muito legal. Não ganhei dinheiro, fui ganhar dinheiro anos depois, mas começou a ser muito empolgante. Comecei a estudar mais, procurar saber sobre várias técnicas de arte. Li muita enciclopédia, estudei muito. Até tentei de novo arte realista, mas não deu certo, me frustrei de novo. Depois, abracei a arte abstrata e estamos aí até hoje.

Como você descobriu o contorno cego?

Carolina Alves – Lembro que nesse processo de tentar arte realista, eu li uma enciclopédia chamada “Desenhando com o Lado Direito do Cérebro”, que é o lado criativo da nossa cabeça. Era 2014. Haviam várias atividades sobre luz, sombra, todo esse blá, blá, blá, e tinha uma única página sobre essa técnica. Era um exercício. Eu tentei, só que de início não gostei muito, foi muito estranho pra mim. Não sabia se eu iria conseguir me adaptar a essa técnica. 

Lembro que fiquei uns dois anos tentando novas técnicas e usando muitas referências. Só que, apesar de ter aprimorado os meus traços, eu não sentia que aquilo era realmente o que eu queria passar. Apesar de sempre dizer que o mais importante na minha arte é a mensagem e não o desenho em si, eu também queria fazer uma coisa esteticamente bonita. Uma coisa que eu olhasse e soubesse que fui eu que fiz, não uma coisa parecida com o que todo mundo faz. Aí, em 2016, pensei: “por que não tentar aquela técnica que eu aprendi no livro?”. 

Lembro que pesquisei no Google se já tinha algum artista brasileiro que trabalhasse fixo com isso, que usasse como fonte de renda, e não tinha. Tinha basicamente só na gringa, tanto que eu conheci muitos artistas que fazem essa arte lá. Mas, no Brasil, não tinha ninguém. Em 2014, eu não tinha curtido muito o contorno cego, mas em 2016 achei muito legal. Ali eu comecei a achar que era exatamente o que eu queria passar para as pessoas. A 23 [rede social] meio que já tinha um público, uns 500 seguidores [risos]. E aí, comecei e não parei mais. 

Existe algum debate na área artística brasileira sobre o nome da técnica que você pratica, por tratar-se de uma expressão capacitista?

Carolina Alves – Não. Também acho uma expressão capacitista, mas foi algo criado há muito tempo e o criador já morreu. Sempre penso sobre isso, mas é o nome da técnica e até hoje ninguém mudou. Como existe uma escassez de artistas que possuem conhecimento dessa técnica, não existe um debate em torno disso. Dificilmente o nome vai mudar por se tratar de uma técnica com pouca notoriedade para que as pessoas se importem a ponto de mudar. Acho que se fosse inventada pelo Picasso, existiriam mais discussões sobre.

Como você chamaria a técnica se pudesse mudar o nome dela?

Carolina Alves – Sempre digo que sou uma artista abstrata que desenha sem enxergar [o material em que o desenho está sendo aplicado]. Chamo de desenho abstrato de observação.

Quando essa arte se tornou sua única fonte de renda?

Carolina Alves – Em 2017, eu comecei a entender o que era um freela, porque eu não tinha ideia do que era. Entrei no mundinho da arte e não conhecia nada. Eu comecei a fazer freela por uns 10 reais porque eu queria tentar vender o que eu fazia. Só que assim, hoje, por 5 ou 10 reais, eu jamais faria. Na época, eu fiz pra juntar dinheiro pra loja. No final do ano, a loja surgiu. Só que eu não sabia fazer nada, não sabia usar os materiais, muita coisa foi fora no início, perdi muito material. Tudo eu acabava manchando, não sabia usar tinta acrílica. Foi uma bagunça. Acho que comecei, de fato, a conseguir trabalhar com isso em 2018. Meses depois, surgiu a ideia de fazer camisetas e estamos até hoje no corre. Mas, pelo menos agora eu sei o que eu estou fazendo.

Antes de trabalhar com arte, você chegou a trabalhar com alguma outra coisa?

Carolina Alves – Eu cuidei de criança em uma escola. Cuidei de cachorros em um hotel de animais. Só que sempre foram empregos muito difíceis pra mim. Lembro que meu primeiro emprego foi cuidar de uma criança com deficiência neurológica e ninguém me preparou pra isso. Eu cheguei na escola e me largaram pra cuidar da criança. Eu não tinha treinamento nenhum. Me escondi no banheiro pra chorar, fui embora e não voltei mais. Anos depois, meu pai tinha um amigo dono de um hotel de cachorro precisando de uma pessoa que cuidasse deles. Foi o emprego que mais durou porque eu gosto muito de bicho. Mas, também foi difícil. Eu e minha chefe não nos dávamos muito bem [risos]. 

Depois disso, comecei a ter a ideia de ganhar dinheiro com arte, o que também foi complicado, porque minha família não me apoiava. É aquilo, né? Diziam “artista é vagabundo, tu precisa de um emprego de verdade”, e demorou muito tempo para que eles começassem a ver que eu tinha capacidade de fazer meu dinheirinho com o meu corre. Até hoje é meio difícil. Pra eles, eu fico trancada no meu quarto fazendo vários nada, mas é um corre imenso, e é minha única fonte de renda desde 2017.

Alves usa a relação difícil com a família como inspiração para suas obras. (Foto: arquivo pessoal)

Por que você acha que o Brasil não tem tantos artistas que usam esta técnica como outros tipos de desenhos, ilustração e pintura? 

Carolina Alves – Eu acho que a arte abstrata ainda é muito mal vista. Inclusive, no mundinho da arte. Tanto que, pra te falar a real, eu não me sinto apoiada pela comunidade artística. E a arte abstrata não é muito ensinada nas escolas. Aprendi sobre todas as outras artes, menos essa. O contorno cego não é muito bem falado. Ele também é usado como aquecimento em aulas de arte, mas não é uma coisa que sai dessa bolha. Ontem, inclusive, postei um Reels mostrando todo o processo que eu tenho com as ilustrações antes de postá-las. As pessoas ficaram “nossa, eu não conhecia essa técnica, nunca ouvi falar”. Tem gente que agora faz aqui no Brasil, tem vários artistas que se inspiraram no meu trabalho, mas ainda é uma arte que as pessoas no geral não conhecem. Elas precisam muito conhecer, mas nunca saem da bolha. Eu tento sempre falar sobre, mas não sei se é medo das pessoas de se jogarem na arte abstrata, por conta dessa padronização da arte, de que tudo tem que ser certinho pra ser considerado arte. Eu gostaria que o contorno cego fosse muito mais conhecido porque é uma técnica que relaxa, pelo menos eu fico bem relaxada. Te desprende desse padrão de que precisa ter a anatomia certa pra ser arte, sendo que arte abstrata é algo incrível.

Que tipo de comentário negativo você sofreu por conta da técnica?

Carolina Alves – No início, era muito difícil, tanto que já pensei em trocar de técnica. Do nada chegavam pessoas perguntando se eu era autista, como se isso fosse algo pejorativo. Geralmente, eram homens, de mulher eu raramente li ou ouvi algo assim. Sempre eram caras dizendo que minha arte era um lixo e que eu jamais deveria me considerar artista porque eu fazia muito rabisco. Hoje, as pessoas ainda comentam negativamente, principalmente quando repostam meu trabalho em páginas mais famosas. Eu olho os comentários e dizem “nossa, que desenho horrível, essa pessoa não sabe desenhar” ou “ela tem algum problema neurológico?”. Antigamente, eu dava bola pra isso, ficava muito mal. Mas, hoje, se eu leio isso, não dou bola. Sem paciência. Nunca ouvi essas coisas pessoalmente. A internet é uma coisa muito complicada, principalmente para artista abstrato.

Quem são as suas inspirações? Tanto na vida pessoal, quanto profissionalmente.

Carolina Alves – Falando sobre traços, sobre as coisas que eu ilustro, e não sobre as mensagens, tem artistas abstratos que gosto muito. [Jean-Michel] Basquiat é uma grande inspiração pra mim, tanto que quando as pessoas dizem que meu trabalho lembra o dele, eu fico muito feliz. Ele é um artista que eu amo de paixão. Tem o David Lynch, famigerado diretor de Twin Peaks, que também é artista abstrato. Poucas pessoas sabem, mas ele pinta e desenha, tudo muito abstrato, muito bonito. Tem o [Matthew Gray] Gubler, ator de Criminal Minds. Ele faz uns desenhos bem infantis, muito bonitinhos. Ele também é uma inspiração pra mim. E sobre as mensagens que eu escrevo, acho que a única inspiração é a minha vida. Perdi meu irmão mais velho cinco anos atrás e, desde então, isso tem sido uma inspiração muito forte pra mim. Desde a primeira ilustração que eu postei no Facebook, sempre foi sobre a minha vida, meio que desabafando pro mundo. Eu sempre digo que a 23 é meu diário exposto pro mundo.

Então, tudo que é publicado na página é sobre sua vida? Suas frases são a maioria sobre saudade, demonstrar vulnerabilidade e sentimentos, às vezes sobre sexualidade feminina. Tudo isso tem conexão contigo?

Carolina Alves – Eu faço sobre tudo que me rodeia. Alguns acontecimentos que ocorrem com amigos, com pessoas muito próximas a mim, mas a grande maioria das artes são sobre coisas que acontecem comigo. Desde que eu perdi meu irmão, essa coisa de luto e saudade ficou muito mais forte. Sobre relacionamentos amorosos também. O relacionamento com a minha família – porque tenho uma relação muito difícil com eles – também é inspiração. Inclusive, esse lance de demonstrar vulnerabilidade, é exatamente a relação que tenho com a minha família, que não curte muito esse rolê de demonstrar que não está bem, que teve um dia difícil. Relacionamentos que não dão certo, términos, luto. É basicamente tudo sobre a minha vida.

Desde o início você incluía frases junto aos desenhos? Você se considera escritora por conta dos textos que publica na página?

Carolina Alves – Acho que antes de me tornar ilustradora, eu fui escritora. Sempre gostei muito de escrever, desde criança. Eu tinha um diário e escrevia muito nele. Também gostava de criar poeminhas. Sempre fui de ir nessas coisas tipo sarau porque era uma maneira de me expressar. Nunca consegui me expressar direito pra minha família e um refúgio pra mim era escrever. Desde o primeiro desenho que eu postei, sempre tinha uma mensagem. Inclusive, tenho muita coisa escrita desde o ano passado que eu quero lançar, não sei se em um livro ou em um site, ainda estou pensando. 

Como você acha que conseguiu visibilidade numa plataforma como o Instagram, no meio de tantos artistas que também usam a rede social para divulgarem seus trabalhos?

Carolina Alves – Eu acho muito louco esse negócio de internet e de como o que tu faz pode brilhar da noite pro dia. Pra mim ainda é muito assustador. O Zeca Camargo me mandou uma mensagem mês passado falando sobre um projeto. Eu falei “pelo amor de Deus, como é que tu conheceu o meu trabalho?!”, e aí ele respondeu “ah, algoritmos, né?”. É muito louco. Eu tava fazendo uma live esses tempos, depois de uma palestra com a PUC de São Paulo. Eu, inclusive, estava bêbada e muito mais tagarela. E, do nada, a Maria Casadeval comenta na live que eu sou uma artista muito foda. Fiquei chocada. Uma vez, postei uma arte, fui viver minha vida, e no dia seguinte tava a Larissa Manoela me seguindo. Tu posta uma coisa e no dia seguinte tá o teu celular bombando de mensagens e muita gente te seguindo, artistas repostando. Pra mim, ainda é uma surpresa quando isso acontece, é muito louco ver gente que eu admiro me notando. A internet tem esse lado positivo, que é teu trabalho viralizar, não que isso tenha um lado positivo sempre. Às vezes, viraliza nos lugares errados, chegando em gente que te odeia. 

Carolina Alves, 27 anos, encontrou no contorno cego um meio para expressar-se (Foto: arquivo pessoal)

Já vi você falando bastante da questão de direitos autorais. Pessoas que pegavam suas artes sem autorização e sem dar créditos. Você chega a recorrer judicialmente? Isso diminuiu ou continua acontecendo com frequência?

Carolina Alves – Eu estou mais feliz agora que as pessoas do Direito estão tentando saber mais sobre propriedade intelectual porque, até um tempo atrás, a gente não tinha esse apoio. Hoje, já tem vários advogados especializados nesse tema e isso nos faz sentir mais acolhidos. Mas, tem toda essa galera na internet que acha que uma arte, por estar online, não tem dono. Meu irmão, por exemplo, vê um desenho no Pinterest, vai lá e tatua. Já falei pra ele que isso não pode acontecer, que é preciso pedir permissão pro artista, porque nem toda pessoa quer ter seu trabalho repostado ou tatuado. A galera não entende isso e ainda quer brigar com o artista. Já aconteceu de pessoas repostarem meu trabalho sem créditos, ou cortarem meu nome de uma maneira que não podem fazer. Ainda acontece muito. Primeiro, eu peço gentilmente se a pessoa pode retirar. As pessoas não respondem, me bloqueiam, dizem que não vão retirar. Aí, tenho que recorrer a formulários da rede social, provar que aquele trabalho é meu e ainda tem que esperar retorno. Às vezes, elas [redes sociais] acham que a arte não é minha e não removem o plágio. Temos como recorrer judicialmente, mas eu particularmente não curto essa dor de cabeça, só se for algo grave, como comercializar meu trabalho sem minha autorização. Mas, é cansativo ficar batendo na mesma tecla sempre. É uma coisa que eu acho que vou passar pelo resto da minha vida, enquanto eu estiver postando arte na internet. Temos que aprender a lidar com isso, ou a gente surta, apaga tudo e desiste.

Quando você se expressa por meio da arte, isso ajuda sua saúde mental e emocional? E como você acha que ajuda seu público? Nas suas publicações tem muitos comentários em que as pessoas dizem que suas frases as ajudaram muito.

Carolina Alves – Eu sempre tive muita dificuldade de fazer terapia. Tem todo um processo. As pessoas acham que terapia é uma coisa que vai te salvar de primeira, sendo que tu pode demorar muito pra achar uma pessoa que tu realmente se sinta à vontade. Minha arte sempre foi uma terapia pra mim porque, como eu falei, sempre tive muita dificuldade de me abrir com a minha família. Desde o início, sempre desabafei muito através da arte. E é muito doido que as pessoas te abraçam de volta. Às vezes eu leio coisas que eu simplesmente desligo meu telefone e começo a chorar. São de pessoas que perderam alguém, principalmente na pandemia. Recebi muitas mensagens dizendo, por exemplo, “perdi meu pai ou mãe pra Covid e tuas artes sobre luto me abraçaram de uma maneira que ninguém me abraçou”. Acho isso muito lindo. Até hoje eu não consigo reagir direito a esse abraço que o pessoal me dá. Pessoas que nunca vi na vida, que nunca me viram, sentem esse carinho imenso pelo o que eu faço. Isso me ajuda porque me faz ver que eu realmente não estou sozinha nesse mundo. Em troca, eu quero mostrar pra essas pessoas que elas também não estão sozinhas e que temos que nos apoiar, continuar sendo fortes, seguir com o que acreditamos e queremos. Tem gente que manda relato pesadíssimo de perda. Eu penso comigo mesma que a pessoa não falaria sobre aquilo com qualquer um. Então, me sinto muito sortuda por ter essa rede. É engraçado que algumas pessoas comentam que ao invés de eu curar a ferida, eu enfio o dedo mais fundo nela, mas às vezes isso é necessário, né? [risos].

A partir de que momento você sentiu vontade ou necessidade de vender outros tipos de produtos, como cerâmica e miçangas?

Carolina Alves – Eu comecei vendendo prints, umas aquarelas que eu fazia. Depois comecei a vender telas, coisas bem simples. Sou usuária do Pinterest há muitos anos, então eu ficava vendo produtos muito legais e pensava como eu conseguiria colocar meu trabalho nesse tipo de produto. E as pessoas também pedem. Quando o Studio começou a ter um alcance um pouco maior, as pessoas pediam adesivos, bottons, isso e aquilo. Lembro que, no início da pandemia, o TikTok bombou muito e eu comecei a ver uns vídeos de cerâmica e pensar “por que não?”. Aí eu comprei cerâmica e deu tudo errado, eu não sabia mexer direito. Depois, comecei a pensar em fazer uns brincos do material. Claro, não é em tudo que eu consigo colocar o contorno cego, iria ficar horrível. Então, eu pensava em coisas mais diferentes, coisas que eu quero criar e boto ali à venda. Com a cerâmica, fiz uns brinquinhos, depois comecei a pensar em fazer uns pingentes, uns cinzeiros. O pessoal dá ideias e eu estudo se rola fazer. Aí, eu comecei a expandir mais. Teve o boom das miçangas, coisa que usamos muito nos anos 2000, né? Juntei um dinheirinho, fui na loja de miçangas e comprei tudo. Foi bem legal, o pessoal curtiu bastante. Na coleção nova que vai ter [dia 20 de junho], as miçangas vão voltar. Tem também as canecas. Comprei uma prensa e comecei a fazer. Eu sou muito inquieta com esse lance de ideias. Eu vou culpar o signo agora. Tenho Lua e Ascendente em Áries, então eu sou muito enérgica pra essas coisas de ter ideias novas sempre. E, quando tu tem um comércio, principalmente online, tu precisa inovar, precisa criar coleção nova sempre. É horrível, mas é bom. Surge a ideia, eu estudo pra ver se rola, faço esboço, testo cores e vou fazendo. O feedback da galera é sempre muito legal. Aí, surgiram as ecobags, surgiu o Dollynho Biruta que é o maior sucesso da loja. Eu não aguentava mais fazer ecobags do Dollynho Biruta [risos]. Acho que o que eu mais gosto de fazer dos produtos do Studio é a cerâmica. É muito bom pra mim, é uma terapia. 

Alves usa a relação difícil com a família como inspiração para suas obras. (Foto: arquivo pessoal)

Você acredita que consegue expressar suas crenças e posicionamentos políticos na sua arte?

Carolina Alves – Na época das eleições, grande parte da minha arte foi sobre política. Arte é política. Artista tem sim que dizer o que sente em relação a isso, por sermos voz para muitas pessoas. Não tem essa de que artista não tem que se pronunciar. Tem que se pronunciar, sim! De vez em quando, eu faço umas artes contra o “queridão lá” [Jair Bolsonaro], mas é uma coisa que me estressa um pouco em relação aos comentários que recebo. 

Também tenho medo da censura, de perder o meu perfil. Tenho um amigo que perdeu o Instagram dele por fazer arte contra o Presidente e teve que começar do zero. Mas eu sempre deixo bem claro os meus posicionamentos. Inclusive, tem um pessoal de direita que me segue e eu não sei porque eles acham que minha arte de algum modo é a favor da direita. Mas tem dessas, como falo muito sobre sentimentos da minha vida, acabo atraindo uns malucos. Na época das eleições, eu postava todos os dias artes sobre isso. Fazia live chorando, inclusive. 

Como você vê a cultura hoje e no futuro no Brasil?

Carolina Alves – Acho que a cultura tem todo o rolê da censura que estamos passando. Teve um amigo meu que teve a sua obra proibida de entrar em museu, pois era contra o governo atual. Porém, eu acredito que os tempos de censura estão muito contados e que vamos voltar a ser o que éramos antes. Mas, em geral, acho que a cultura está meio morta, até pela falta de apoio que temos. Estão cortando tudo que ajuda a gente.

Você comentou no seu perfil que o Instagram derrubou algumas publicações suas por conta de denúncias. Você acha que o Instagram tem um algoritmo de denúncias falho ou é algo proposital da plataforma?

Carolina Alves – O algoritmo é uma coisa muito engraçada, porque tu posta um corpo feminino, um mamilo, um corpo nu – mesmo que seja através de desenho – é automático, o Instagram vai derrubar. É muito engraçado isso, pois contas de nazistas, racistas, pessoas de direita que violam trinta mil direitos, permanecem no ar. Em relação aos últimos acontecimentos no meu perfil, tem uma galera que se reúne para denunciar publicações. Não sei o motivo, mas são artes muito específicas que não tem motivo para remoção. 

Postei uma vez um desenho de um cachorro e o Instagram notificou como discurso de ódio, não sei como, até hoje não sei o motivo. Sempre tenho essa dúvida, se foi realmente o algoritmo do Instagram ou se são pessoas que se reúnem para denunciar e acabar com o teu trabalho. Talvez por eu ser uma artista abstrata e não gostarem do meu trabalho, simplesmente isso. Consideram que eu faço um monte de rabisco e não mereço a visibilidade que eu estou ganhando. E o algoritmo é uma coisa maluca, que deixa contas criminosas no ar, mas que censuram arte. Inclusive, a visibilidade do meu trabalho no Instagram começou a cair muito depois dessas remoções de publicações. 

Chegou a hora de falar do futuro. Quais os seus planos de vida pessoal e profissional? A curto e longo prazo.

Carolina Alves – Eu lancei um ebook ano passado sobre o término do meu relacionamento de dois anos. Então, eu estava tentando juntar meus caquinhos e escrevi muito. Pensei se seria físico ou digital, só que lançar livro físico no Brasil, com esse governo, é muito complicado. Sei que as pessoas preferem tocar no papel do que ler numa tela, só que é muito difícil. É muito caro e tem que contratar outras pessoas. Mas, estou pensando num próximo livro que seja físico, nem que eu tenha que imprimir e fazer tudo. Eu, de novo, fazendo tudo sozinha [risos]. Não anunciei nada oficialmente porque se acaba não dando certo o pessoal acaba cobrando. Queria conhecer a França porque eu gosto muito dos rolês artísticos de lá. Não dá pra pensar muito porque eu sou pobre, não posso sonhar muito alto [risos]. Quer dizer, sonhar a gente pode, né?! Mas, de acordo com a nossa realidade. Por enquanto, pretendo ir pra São Paulo, conhecer os rolês artísticos de lá. Eu acho que São Paulo abraça muito mais o artista do que Porto Alegre, principalmente com o governo que está atualmente [na prefeitura]. A cultura de Porto Alegre morreu, foi enterrada. Sei lá, não sinto meu trabalho sendo apoiado. Isso São Paulo tem de muito bom, abraça artistas de uma maneira muito gostosinha e eu quero muito, não sei quando vai rolar, ter um estúdio lá. Ah, ter um estúdio em Porto Alegre, sair de onde eu estou morando e expandir isso para São Paulo. Lá é um lugar imenso, tem muita oportunidade. Por enquanto, é isso.

Eu achava que Porto Alegre também era uma cidade que abraçava os artistas.

Carolina Alves – Guria, no Centro, antes, havia muito mais artistas expondo. Mas, a Guarda Municipal chega e corre com todo mundo. A galera desiste ou vai para outros lugares. Então, por exemplo, tu vai ali na [Rua dos] Andradas – que é uma rua que tinha bastante artista de rua – e hoje tu não vê quase ninguém. É triste. Teve a Noite dos Museus esses dias. É uma noite para, basicamente, passear pelo Centro em segurança. Eles [Prefeitura] apoiam os museus só nessa noite porque no resto do ano tem museu que fecha por falta de investimento. É uma coisa “bizonha”. E se, por exemplo, tu quiser fazer um evento público, tipo uma noite de feirinha, a Prefeitura não deixa. O prefeito, inclusive, é um bundão. Bolsominion, né? Então, não sinto que a arte é apoiada em Porto Alegre atualmente, tanto que os artistas acabam migrando para São Paulo.

*estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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