No dia primeiro de julho, o deputado federal Daniel Silveira foi homenageado com a Medalha da Ordem do Mérito do Livro, dada pela Biblioteca Nacional. O mesmo Daniel Silveira que foi preso e condenado a oito anos de prisão por incitar violência contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Outros parceiros do governo Bolsonaro também foram homenageados como o ex-diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, o deputado federal Hélio Lopes, e a deputada federal Chris Tonietto
Várias vozes e algumas notas de repúdio foram escritas, algumas personalidades negaram o recebimento à homenagem, outras aceitaram, mas criticaram a postura do presidente da instituição. Trata-se de mais um episódio que exemplifica o governo Bolsonaro em relação à cultura, talvez a área mais sucateada nesses quatro anos. Totalmente aparelhada por uma ideia de guerra cultural, espalhada e edificada por muitos anos pelo guru já falecido Olavo de Carvalho que, aliás, também foi homenageado no tal evento….
Por que uma guerra cultural? Para eles é preciso partir para o embate teimoso, uma vez que não há argumento que carregue toda uma ideologia defasada, preconceituosa e que nunca fez sentido. A extrema direita não passaria em uma banca de trabalho de conclusão de curso, porque uma ideia, uma teoria, um texto, nasce da troca e do conflito de ideias. E um governo que não respeita a cultura, vide os vários exemplos, nunca vai entender toda a complexidade que essa palavra exige. Por isso, é preciso ainda mais atenção e ficar alerta, para no futuro nada disso voltar.
Curtas
– O pesquisador Christian Gonzatti lançou, através da Editora Devires, o livro Pode um LGBTQIA+ Ser Super-Herói no Brasil?, no qual produz uma investigação comunicacional sobre o momento político e histórico de como o Brasil comandado pela extrema-direita tem perseguido representações positivas de personagens LGBTQIA+ na cultura pop. Gonzatti é doutor em comunicação e nos concedeu uma entrevista no início do ano sobre a sua pesquisa, que rendeu o livro, leia aqui.
– Já está em pré-lançamento a obra Outros Modernismos: no Brasil: 1870-1930, pela editora Zouk, organizado por Giovanna Dealtry, Guto Leite e Luís Augusto Fischer. Com textos de diversos autores e pesquisadores da área da Letras, mas também de outros campos, a obra tem o objetivo de propor um olhar menos viciado para a produção literária do período. No ano do centenário do modernismo brasileiro (ou paulistano?), a publicação soma-se a outros trabalhos que trazem outras visões sobre o momento histórico.
– A Amazon acaba de lançar a sétima edição do Prêmio Kindle de Literatura em parceria com o Grupo Editorial Record. As inscrições começam no dia 11 de julho e os autores terão até 28 de agosto para participar com romances inéditos em português. Vanessa Passos foi a grande vencedora da 6º edição do Prêmio Kindle de Literatura com A Filha Primitiva. Além da versão impressa da obra, o vencedor ganha R$ 50 mil.
– A já tradicional especialização em Literatura Brasileira, do Instituto de Letras da Ufrgs, está com inscrições abertas até o dia 15 de julho. Trata-se da nona edição do curso, que traz disciplinas como Canção Popular Brasileira, Literaturas indígenas brasileiras, Literatura Afro-brasileira, entre outras. Há um processo seletivo e os encontros serão realizados na modalidade EAD.
Para ler
O escritor Matheus Borges lançou recentemente o seu primeiro romance, intitulado Mil Placebos (editora Uboro Lopes). A história apresenta um protagonista introspectivo e que passa boa parte dos seus dias vivendo na internet, em fóruns, atrás de uma forma de manter contato com alguém – ainda que, talvez inconscientemente. Acaba estabelecendo uma relação de afeto e de carinho por uma garota que conversa online. Após uma tragédia e um desaparecimento, ele acaba se vendo no meio de uma elaborada conspiração investigativa, que o faz também viver o mundo “real”, de outra forma. Trata-se de uma bela estreia, de um autor que tem domínio da forma, estruturando seu romance a ponto de guardar “boas” surpresas para o fim.
Para acompanhar
Desde 2021, a pesquisadora Fabiana Carneiro da Silva toca a série Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea no site do Itaú Cultural. Em 2021, foram seis escritores da cena literária recente, com poesia e prosa, como Kika Sena, Julie Odorrico e Marcelo Ricardo. Atenta à produção de todas as regiões do país, a série segue em 2022. É um bom panorama do que está se realizando de mais atual no país ao mesmo tempo em que se reflete o que é contemporâneo.
Fala
Em carta datada de 7 de junho de 1945 Fernando Sabino escrevia para seu amigo Hélio Pellegrino uma breve reflexão sobre a passagem do tempo.
“ (…) É engraçado, Hélio, não há meios de segurar o tempo, e eu queria atravessá-lo diagonalmente — violentar o tempo, resistir à sua torrente, deixar-me ferir de frente pela sua aspereza cheia de tantas contradições. É esquisito, é inacreditável, é antes de tudo tão comovente, como nós quatro tivemos ao mesmo tempo a consciência de um instante em suspenso entre o que deixou de ser e o que será de agora em diante. O Otto [Lara Resende] me escreveu, dizendo que daqui a dois meses perguntarão, atônitos: “Mas você viveu mesmo na época do Roosevelt? Você conheceu o Mário de Andrade? Conversava com ele, batia nas costas dele, ouvia a fala mansa e penetrante que ele tinha?” O Paulo [Mendes Campos] me escreveu dizendo que um tempo se encerrou e restará esquecido, chegou a hora de inaugurar os tempos novos, se preparar para eles, que eles chegaram com o fim da guerra ou sem o fim da guerra, com justiça ou sem justiça, com a morte do Mário ou sem a morte do Mário, eles chegaram para nós (…)”.
Leia a carta inteira aqui.