Foto: reprodução/Youtube

Bruno Sangregório e a arte da dublagem em diferentes mídias

Felippe Jobim*

Existem vozes que marcam gerações em personagens históricos de desenhos, filmes e séries. Uma teoria difundida com força é a de que, se não for a melhor, a dublagem brasileira está entre as melhores do mundo. E atualmente, com a popularização da tradução de animes japoneses e jogos eletrônicos, a profissão vem ganhando ainda mais destaque.

Bruno Sangregório  é dublador há mais de uma década e já participou de projetos nas mais diversas mídias. Com um extenso e variado currículo, atuou em animações, filmes, séries e jogos de videogame. Entre seus trabalhos de destaque estão as animações Attack on Titan, Soul Eater e Cavaleiros do Zodíaco. Bruno também é produtor, diretor e professor de dublagem. Ele dá aulas no estúdio Dubrasil, uma escola de dublagem em São Paulo que também realiza traduções e legendagem para produções audiovisuais.

Entre os fãs de animações dubladas, há aqueles que defendem que é melhor assistir à obra dessa maneira do que em seu idioma original. Bruno conversou conosco sobre a profissão, detalhando as particularidades da dublagem em cada mídia e as técnicas que cada uma exige.

A dublagem brasileira é considerada por muitos como sendo a melhor do mundo. O que fez o Brasil se destacar nessa área?

Bruno Sangregório – Não existe uma resposta exata para isso, mas acredito que seja uma junção de fatores. Talvez o fato de termos bons atores de teatro, e como o cinema nacional nunca teve o mesmo apelo comercial que filmes americanos, nós sempre tivemos, como atores, mais mercado dublando filmes estrangeiros do que participando de filmes por falta de incentivo em produções nacionais. Além disso, muitos países do mundo sempre priorizaram a produção local, o que levava eles a produzirem mais e dublar menos. Juntando isso com o carinho dos fãs, que sempre acompanharam grandes produtos dublados, como por exemplo Chaves, Cavaleiros do Zodíaco e Simpsons, nós temos uma grande procura a respeito deste tema, o que acaba tornando a dublagem um novo produto, que está diretamente ligada ao produto dublado, seja filme, série etc., mas que pode ser avaliada por si só e por isso acaba tendo um valor agregado ao da obra.

E qual foi o seu trabalho preferido?

Não existe trabalho ruim, eu gosto de dublar tudo, de reality shows e documentários a videogames. Mas com certeza, quando fazemos algo que nos identificamos mais, que no meu caso são desenhos, cinema e jogos, o trabalho fica ainda mais gostoso.

Há alguns anos os games também estão recebendo dublagens. Quais as diferenças em relação às outras mídias? É mais desafiador?

Bruno Sangregório Algumas pessoas acham que dublar jogos é um desafio maior. Eu sinceramente acho mais simples, pois não existe as mesmas restrições e limitações em relação ao sincronismo que temos dublando uma pessoa real. Por ser uma técnica diferente, obviamente tem um outro cuidado. O desafio mesmo não está na parte técnica, mas sim no trabalho de interpretação, em ter que entender qual deve ser a intenção correta para aquela cena sem ter acesso à imagem, sendo guiado apenas pelo som. Realmente, é um grande desafio para qualquer ator.

Quais as liberdades que o dublador tem para improvisar falas, inserir gírias ou alterar algo da linguagem original para que o texto faça sentido para o público brasileiro?

Bruno Sangregório Faz parte também do trabalho de dublagem ambientar e envolver o público culturalmente. Portanto, é importante lembrar que se nós simplesmente traduzirmos literalmente, o público perderia algumas piadas, além de algumas referências que deixariam de fazer sentido. Porém, assim como uma boa adaptação de texto pode criar dublagens inesquecíveis, a mudança gratuita pode acabar censurando o produto ou mudando o sentido, a ponto de descaracterizar a obra. Para mim, toda adaptação é bem-vinda, mas desde que seja necessária.

Existem pessoas que chamam a atenção pela capacidade de imitar com precisão a forma de falar de personagens e de pessoas famosas (por exemplo, Pato Donald ou Silvio Santos). Você acredita que o talento para a imitação tem relação direta com a dublagem?

Bruno Sangregório A imitação em si não tem relação com a dublagem, pois partimos do pressuposto de que, como atores, precisamos reviver ou recriar aquela mesma cena com todas as suas intenções e nuances de interpretação, estado e energia, e isso está além do timbre vocal. Claro que, se a pessoa é versátil e tem esse talento de imitação, isso pode ser interessante no sentido de que ela tem um “bom ouvido”. E na dublagem é o olhar de observação que faz a diferença no nosso trabalho. Então saber ouvir, estar disponível e conseguir dar atenção às particularidades da cena com certeza é muito importante. Mas mais importante que reproduzir o timbre de voz é ter as mesmas ferramentas para desenvolver o mesmo trabalho de interpretação. E por isso este é um trabalho feito por atores.

Quais os cuidados específicos que um dublador precisa ter com a voz? Existe uma restrição à alimentação ou estilo de vida?

Bruno Sangregório  – Vida normal. Claro que é sempre importante tomar consciência do seu maior instrumento de trabalho, a voz. Portanto, um acompanhamento com fono é legal. Fazer um bom aquecimento antes de cada escala e beber muita água para se manter hidratado também. Mas a menos que você tenha algum problema específico, não é necessário fazer nenhum tipo de restrição alimentar.

Uma grande característica do Brasil é a variedade de sotaques que temos no país. Qual a orientação que os estúdios dão em relação a isso? Existe um cuidado para que um trabalho não fique com um sotaque muito marcado?

Bruno Sangregório – Sim, esse cuidado sempre existiu por parte dos estúdios e diretores. Porém, a versão brasileira faz parte do trabalho de dublagem. E se a ideia, além de tornar acessível, é ambientar o produto culturalmente, então acredito que quanto maior a diversidade e pluralidade de regionalismos, melhor, né? Afinal é a versão brasileira que fazemos, e essa versão brasileira não pode se restringir apenas aos sotaques paulista e carioca.

Temos exemplos de dubladores que ficaram marcados por personagens memoráveis (Guilherme Briggs como Superman, Carlos Seidl como Seu Madruga, Isaac Bardavid como Wolverine). Como você vê o carinho do público quando sua voz fica marcada em um personagem?

Bruno Sangregório –  É sempre muito gratificante para um artista ser reconhecido por seu trabalho. É surreal o carinho do público por alguns personagens específicos da cultura pop. Os otakus (fãs de anime), por exemplo, são muito calorosos e receptivos. E nós podemos ter um pouco deste contato nos famosos eventos geeks. É assustador ver o alcance do nosso trabalho, mas é incrivelmente gostoso saber o quanto tocamos as pessoas e isso com certeza só nos impulsiona a continuar fazendo.

Quais foram suas inspirações para virar dublador? Existe alguém que você se inspira?

Bruno Sangregório : As inspirações são muitas. E de certa forma, os dubladores citados na pergunta acima me influenciaram com certeza. Sempre fui muito fã dos trabalhos feitos por Marco Ribeiro, Armando Tiraboschi, Alexandre Moreno e Hermes Baroli, e hoje ter a oportunidade de trabalhar com eles é muito gratificante.

O que é preciso para se tornar um dublador? Quem se interessa pela área deve começar por onde?

Bruno Sangregório –  A dublagem é a casa do ator, fazer um bom curso de dublagem e obter seu registro profissional de ator é o primeiro passo. Obviamente que o registro é um requisito legal para exercer a profissão, mas o mais importante é ser um bom ator. Aproveitar o curso e aprender o máximo possível. Trabalhar muito a leitura fluente também é importante e só então, depois de formado e com o registro profissional em mãos, seguro do seu trabalho de ator, é quando você está pronto para o mercado, e um bom curso de dublagem é mais do que indicado. Ser ator é fundamental, mas por se tratar de uma técnica específica, fazer um bom curso de dublagem vai facilitar e muito o seu caminho e sua entrada no mercado de trabalho.

*Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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