Uma tradição marcante da comunidade quilombola de Casca, interior do Rio Grande do Sul, vem sendo resgatada graças a um projeto cultural liderado por jovens quilombolas da comunidade. O Terno de Reis, uma festa popular secular que está presente em muitas comunidades rurais do Brasil, sempre foi um momento de confraternização, mas a tradição vem sendo perdida em muitas localidades devido às dificuldades de repassar o festejo às novas gerações. Segundo o historiador Luiz Antonio Simas, a tradição do Terno de Reis “manifesta-se na formação de grupos de foliões que visitam as casas com estandartes e instrumentos musicais. Munidos de violas, pandeiros, reco-recos, sanfonas, chocalhos, cavaquinhos e triângulos, os foliões entoam músicas em louvação aos Santos Reis e recebem, em troca, oferendas propiciatórias aos festejos”.
Confira o depoimento de Alaídes da Costa, moradora da Comunidade Quilombola de Casca e produtora cultural, e o ensaio fotográfico de Jefferson Pinheiro:
Por Alaides Terezinha Dias da Costa
Que momento emocionante de interação cultural vivemos ontem em nossa comunidade. O quicumbi com seus tambores, dança e vibração; o terno de reis com gaita, violão e pandeiro, nas culturas da comunidade quilombola de Casca e da Comunidade Quilombola vovô Virgilino de Tavares. A empolgação das pessoas que estavam presentes na festa e não se encontravam tanto quanto antes da pandemia. Foi muito emocionante.
Eu peguei o projeto de resgate já elaborado, quase na fase de execução e me envolvi com ele porque acho muito importante que a gente mantenha a cultura e que a gente envolva as pessoas jovens nela. O Terno de Reis na nossa comunidade é muito antigo. As pessoas que participam do grupo são pessoas com mais de 60 anos. Nosso mestre do Terno de Reis, o Antônio, conhecido como Zango, tem 74 anos.
Agora o Osvaldo, um dos integrantes do Terno, está incluindo o filho dele, o Filipe, que tem por volta de 30 anos, com a intenção de que ele possa aprender e levar adiante. A gente sente essa necessidade de renovação para que a gente possa manter a cultura aqui na nossa comunidade.
Além de essa iniciativa tentar trazer pessoas mais jovens para conhecerem o terno, tem o diferencial de ser no contraturno da escola. A gente aqui na comunidade acha que as crianças precisam se envolver em outras atividades, como as aulas de instrumentos. A gente gostaria que elas tivessem atividades esportivas, atividades de leitura, então esse projeto foi uma experiência muito importante para nós, que temos essa vontade de ver nossa comunidade crescer cada vez mais e nossas crianças se desenvolverem intelectualmente.
Nós fomos de casa em casa convidar as pessoas para participarem da festa de encerramento do projeto e também da Consciência Negra, que a cada ano é realizada em uma comunidade quilombola [da região]. Ver os mais velhos participando foi muito emocionante, porque eles é que puxam a nossa comunidade. E ver que eles acreditaram no projeto, que estavam empolgados tanto quanto a gente foi muito bonito de ver, além da interação entre as comunidades.
A gente é uma comunidade que sofre muito preconceito, que é bastante escanteada pelo poder público municipal. Antes de a gente saber que era uma comunidade remanescente de quilombo, nós éramos conhecidos como “a terra dos pretos da Casca”.
Eu tenho lembrança de ir ao Terno de Reis por exemplo na casa do tio Hélio, me lembro bem como era a chegada, depois havia fogueira, os donos da casa recepcionaram com comida, muita comida variada, era um noite de muita festa e alegria. E assim era, como diz a letra do Terno, de dezembro a janeiro, uns 25 anos atrás na nossa comunidade. Nesse período do Natal até o Dia dos Santos Reis e também havia os ternos juninos. São João e Sant’ana são duas festas juninas importantes para nossa comunidade também.