Poesia e performance simbolizam a arte de Agda Céu

Giulia Godoy*

Performance, movimento e transformação fazem parte das diferentes formas de expressão da artista Agda Céu. Estudante de licenciatura no curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante da ONG feminista Fora da Asa, ela lançou em 2021, através do selo Todas Escrevemos, seu primeiro livro: “CorPOESIATrans”.

As dificuldades do cenário cultural gaúcho são de conhecimento da maioria dos artistas independentes do setor.  Para Agda, esse debate vai além quando se coloca no lugar de fala de uma mulher transexual. Natural de Torres, no litoral do Estado, com apenas dezoito anos chega em Porto Alegre com uma mala de sonhos para realizar na cidade grande.

“CorPOESIATrans” revela o processo de transição iniciado na adolescência e a necessidade de expressar através da arte, da performance e da escrita, o eco de um grito de liberdade e reconhecimento.

Quando começou a escrever? 

Agda – Quando saí de Torres e iniciei a graduação em Artes Visuais, passei a escrever academicamente reflexões e devaneios sobre como eu estava me sentindo no mundo e como a sociedade me enxergava. Eu sou uma pessoa trans. A necessidade da escrita vem para condensar a minha existência enquanto mulher trans, me entender, me ver, me reler, para que então eu possa construir essa feminilidade que estava buscando.

E dentro das Artes Visuais segui no processo da poesia e da escrita. Eu me interesso pela performance. É a manifestação da arte através do corpo. O teu corpo se torna uma obra de arte. Foi quando pensei em atrelar toda a minha produção de escrita com a performance: eu sou um corpo que estou performando a feminilidade, pensando a utilização do corpo como matéria prima e a minha existência como mulher trans. Pensar minha vida poeticamente a partir disso me trouxe muita potência enquanto mulher.

Como foi o processo para a publicação de CorPOESIATrans?

Agda – Eu quis trazer também a performance para esse livro, trabalhar ele de forma artística, mas é muito sobre as minhas vivências, sobre o início de tudo e de como eu estava me entendendo. Sobre as minhas ansiedades e medos, sobre as expectativas que eu tinha sobre mim mesma e o que as pessoas pensavam sobre mim. É sobre transição também — não só sobre isso, porque pessoas trans escrevem sobre outras coisas — mas é sobre transição. Tinha que ser isso para o meu primeiro livro.

A necessidade de escrever surgiu como hobby ou já com a intenção de ser sua profissão?

Antes da escrita ser sua profissão, Agda já enxergava a atividade como meio para se expressar e reconhecer a si mesmo. (Giulia Godoy/Beta Redação)

Agda – É curioso, porque eu não conseguia me ver nesse lugar de ser escritora como profissão. Como estilo de vida, sim, de manifestação no mundo. Mas não me enxergava como profissional da escrita, porque eu escrevia de forma recreativa, para me expressar e me reconhecer.

Foi curioso construir isso em mim, e surge quando eu consigo publicar o livro com a força de todas as mulheres que vieram comigo nessa publicação. Foi quando eu consegui me firmar nesse lugar. Sou uma escritora, uma mulher que escreve, isso faz parte da minha vida e da minha existência. E isso me ajuda a construir quem eu sou, me reconhecer no mundo, acessar e encontrar com outras mulheres e, principalmente, com outras pessoas trans.

A escrita surge também no encontro com outras pessoas e eu, enquanto uma mulher trans, busco isso. Acredito que a partir da concepção de que existem pessoas trans que escrevem, a gente vai conseguir modificar um pouco essa rota de desumanização dos nossos corpos.

Como você enxerga a representatividade da mulher trans na literatura e no Rio Grande do Sul?

Agda Eu não vejo essa representatividade. Quando comecei a escrever e quando publiquei o livro, isso ficou muito mais intenso em mim, porque pensei: “cadê essas outras mulheres que escrevem? Onde elas estão?” E foi curioso eu não ter encontrado.

Eu fiz, inclusive, um mapeamento buscando autores trans aqui no estado, e foi um mapeamento bem pequeno. Foi bem angustiante me perceber, não sozinha, mas com uma quantidade pequena de mulheres trans que publicam. Porque pode ser que elas escrevam em outros lugares e situações, mas não publiquem.

Me veio esse lugar de que nós precisamos continuar escrevendo por isso, para que essa representatividade trans na literatura aconteça e para que a gente pense uma outra literatura, que não seja branca, canônica e de homens cis, que também é uma iniciativa do selo Todas Escrevemos.

Quais são as suas inspirações e referências?

Agda Tenho muitas, e elas são compostas majoritariamente por mulheres.  As minhas referências iniciais eram bem canônicas também, mas de alguma forma eram mulheres um pouco dissidentes, como a Hilda Hilst, Ana Cristina César e Clarice Lispector, que também fizeram parte da minha adolescência. Eu devorava esses livros.

E quando me entendi como mulher trans as minhas referências mudaram, porque eu passei a questionar: “ok, eu me identifico muito com essas mulheres brancas escrevendo e acho muito potente a escrita delas pelo mundo. Só que eu preciso me ver de outra forma”. E foi aí que busquei outras referências que vieram até de Porto Alegre – como a Atena, por exemplo, que é conhecidíssima – e isso foi muito importante para mim. Perceber uma mulher trans da magnitude da Atena escrevendo.

Como funciona o seu processo criativo? 

Agda Meu processo criativo com a literatura é muito espontâneo. Agora estou cada vez mais não separando a performance da literatura, que são as minhas duas linguagens de atuação dentro da arte. Eu vejo elas cada vez mais atreladas, então tenho tentado enxergar a performance de uma forma despretensiosa também, como eu faço com a literatura, porque resulta em algo potente para mim.

Tenho meus rituais também de construção do lugar para escrever, mas geralmente surge pela casa. Eu venho buscando no decorrer da minha vida minhas referências e elas contribuem com meu processo criativo, mas elas surgem muito de coisas mínimas no cotidiano. Estou, por exemplo, limpando a casa e vem uma frase, uma palavra ou algo assim, então eu vou e escrevo.

Eu também gosto de tratar esse processo criativo como um trabalho, de não tratar ele tão aleatoriamente.

Qual seu gênero literário preferido para escrever?

Agda Eu gosto muito da poesia, mas da poesia solta. De que tu possas escrever o teu texto e chamar ele de um texto poético. A minha poesia passa muito pela prosa e pelo texto poético. É o que eu mais me identifico.

Tem planos para uma nova publicação no futuro? 

Agda Tenho muita vontade e muitos planos. Na verdade, ele já está acontecendo, que é um livro de um poema só, tendo a continuidade de várias páginas, mas será um único poema, dividido em sessões. Talvez um livro menor. Eu gostaria de ter agora um livro de bolso, então estou planejando.

*Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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Editoria de cultura da Beta Redação - Agência de jornalismo experimental da Unisinos