A área da cultura marca presença na Cop27, que ocorre entre 6 e 18 de novembro em Sharm El Sheikh, Egito. A iniciativa de incluir as manifestações culturais no cerne das discussões ambientais é da Climate Heritage Network, rede internacional de instituições que atuam no âmbito das artes, cultura e patrimônio com foco na ação climática. Integram o grupo organizações como a Coalizão de Museus pela Justiça Climática, o Conselho Internacional de Música, o Comitê de Cultura das Cidades e Governos Locais Unidos e o Icomos – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios.
Nesta semana, a rede lançou o manifesto Criando imagens e realizando futuros resilientes ao clima: o poder das Artes, da Cultura e do Patrimônio para acelerar a ação climática. O objetivo é mostrar como a cultura é impactada pelas mudanças climáticas e como os agentes do setor podem contribuir para uma transformação global.
“A cultura ancora as pessoas a lugares e umas às outras. Cria coesão de formas únicas: permitindo a construção da comunidade e a ação coletiva, proporcionando momentos, sentimentos e compromissos compartilhados, inventando novos símbolos e novas ferramentas. Artistas e vozes culturais impulsionam a conscientização e a ação do público”, defende o documento.
O exemplo das comunidades tradicionais é citado como bússola para um futuro possível, uma vez que independem dos combustíveis fósseis para sua existência. As cosmovisões dos povos originários “oferecem contrapontos a paradigmas insustentáveis de ‘progresso’”.
O manifesto também aponta para a importância de preservar o patrimônio cultural, histórico e natural. “O patrimônio cultural guarda as histórias dos povos e o conhecimento das comunidades locais (o que o Acordo de Paris chama de “tecnologias endógenas”). O registro arqueológico ilustra as causas e a adaptação às mudanças passadas. A história mostra que o homem já demonstrou capacidade de adaptação no passado”, explica a rede.
E como os atores culturais podem se inserir nessa corrida contra o tempo? O primeiro passo é adotar práticas e modos de gerir sustentáveis, com políticas ancoradas na inclusão e na diversidade – de classe social, gênero, cor e cosmovisões, por exemplo. Segundo o manifesto, “devemos preservar, registrar e disponibilizar cultura e patrimônio de maneira inclusiva, inclusive por meio de formas artísticas tradicionais e inovadoras, bem como de novas tecnologias”.
Nesse processo, a criatividade, a capacidade de intercâmbio e as habilidades dos diferentes agentes do setor – músicos, curadores, arquitetos, historiadores, arquivistas, artesãos, escritores, performers… – são apontadas como ativos “subutilizados” para a ação climática. “É nossa responsabilidade compartilhada garantir a herança cultural e os direitos culturais das gerações atuais e futuras; salvaguardar um planeta saudável, próspero e resiliente; e alcançar as reduções de emissões das quais esses resultados dependem”, sugere o documento.
A rede também está realizando, na Cop27, uma série de eventos artísticos e palestras com atores culturais. “Cultura & Criatividade para o Clima: pesquisa e inovação no trabalho” e “cultura e biodiversidade” são alguns dos temas das mesas. A deputada federal eleita Sônia Guajajara participou de um dos eventos. “O futuro é Indígena. É mulher indígena. Barrar as mudanças climáticas depende do olhar do mundo para nossas práticas, nossa cultura e nossa força ancestral”, declarou no último sábado.
Mudanças climáticas são ameaça número 1 ao patrimônio mundial, diz Unesco
Cerca de 35% dos sítios culturais e naturais tombados como patrimônio mundial pela Unesco já sentem os impactos de mudanças climáticas. A avaliação foi feita pelo órgão da ONU nesta semana, durante o evento que marcou os 50 anos da Convenção do Patrimônio Cultural e Natural.
Atualmente, 1154 locais estão na lista do patrimônio mundial da Unesco, sendo 897 sítios culturais, 218 sítios naturais e 39 sítios mistos – o Brasil tem 22 sítios na lista. A organização alerta para a necessidade de ações urgentes especialmente na área dos oceanos, já que 70% dos sítios marinhos sofreram impactos nos últimos anos. A Unesco diz ainda que metade de todas as geleiras e de todos os recifes de coral tombados como Patrimônio Mundial correm risco de desaparecer.
No evento, sediado em Delfos, na Grécia, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, anunciou um plano de ação para a proteção do patrimônio com foco em três eixos: representatividade, acessibilidade e sustentabilidade. Um dos objetivos é a maior inclusão de populações originárias nas discussões e também a ampliação de sítios tombados no continente africano. Atualmente, a África representa apenas 9% de todo o patrimônio mundial reconhecido pela organização.
Outro pilar está diretamente relacionado às mudanças climáticas. Hoje, 52 sítios do Patrimônio Mundial estão classificados como “em perigo” – quase metade deles está localizado na África. “Eles exigem a implantação de medidas de salvaguarda urgentes”, diz a Unesco em comunicado oficial. Políticas de acessibilidade e tecnologias digitais também estão previstas.
Bens culturais do Brasil já sentem efeitos do aquecimento global
Nas últimas décadas, diversos sítios culturais tombados pelo Iphan sofreram com desastres causados pelas mudanças climáticas, aponta Luana Campos, secretária do Comitê de Mudanças Climáticas do Icomos – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios.
Foi o caso do casarão construído no século XIX que desabou em janeiro deste ano em Ouro Preto, Minas Gerais, após o deslizamento de um morro. A área já havia sido evacuada justamente pelo risco de acidentes, mas não foram tomadas ações suficientes para evitar o dano ao patrimônio histórico.
Em 2011, fortes chuvas destruíram edificações históricas na cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, incluindo a Igreja Matriz, que havia sido construída no século XIX. No mesmo ano, pelo menos 30 casas tombadas na cidade de Goiás Velho foram atingidas e dois casarões bicentenários foram abaixo com o transbordamento do Rio Vermelho. Para Luana Campos, os eventos não podem ser analisados isoladamente. “São indicativos de que algo está mudando e que essas mudanças podem vir a ser permanentes. É uma realidade que não tem como fugir ou negar”.
No Brasil, bens históricos incluídos no livro de tombo pelo Iphan passam a contar com uma série de medidas protetivas, incluindo a proibição de alterações na edificação sem um projeto de restauro elaborado por arquitetos especializados e um maior rigor na autorização de construções no entorno do prédio. Nada disso, no entanto, é suficiente para prevenir ações causadas por fenômenos climáticos. Para a arquiteta e urbanista Carla Teixeira, o Brasil deveria adotar medidas visando a análise de riscos que contemplem os contextos e especificidades do patrimônio brasileiro. Leia mais.