Brasília — A implementação dos Comitês de Cultura, promessa de campanha do presidente Lula, é um dos projetos do Ministério da Cultura neste semestre. Desde o final do ano passado, o MinC realizou editais que selecionaram 27 Organizações da Sociedade Civil (OSC), de todos os Estados, responsáveis por efetivar o Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC). Com orçamento total de R$ 58,8 milhões que serão divididos entre as entidades selecionadas, a primeira edição do programa ocorrerá no biênio 2023/2024.
A ideia é que esses espaços ajudem o MinC a difundir informação sobre os programas do governo em áreas remotas. “Os comitês de Cultura têm de comunicar e de fazer formações para que as pessoas tenham acesso, por exemplo, aos editais“, explica a secretária Roberta Martins em entrevista exclusiva ao Nonada Jornalismo.
Depois de selecionadas as organizações representativas de cada estado, o próximo passo é seleção de 500 agentes culturais, pessoas físicas com conhecimento acerca das dinâmicas culturais e territoriais de suas comunidades, que atuarão de forma semelhante aos agentes comunitários do SUS. A seleção será realizada em parceria com Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) também por edital.
Para determinar as regiões iniciais contempladas pelo programa, o MinC utilizou Índice Territorial dos Comitês de Cultura, que é formado por 22 indicadores em 5 dimensões e possibilita a identificação de regiões consideradas mais urgentes para o direcionamento das ações. Para Roberta, os Comitês vão significar uma ponte mais direta entre a sociedade e as políticas culturais.
“O Índice Territorial de Cultura é um dado que faz o cruzamento de uma série de questões, como número de equipamentos culturais, produções culturais, pontos de cultura e índices de vulnerabilidade social. Nós fizemos um cruzamento interessante para saber onde é mais necessário que o MinC vá”, explica. “O Ministério da Cultura não mora em Brasília. Ele tem que morar nas localidades e nos territórios, por isso a gente aponta a necessidade dos Comitês de Cultura para chegar mais perto das pessoas.”
Os Comitês de Cultura são diferentes dos escritórios regionais do MinC, e também dos Pontos de Cultura, pois a função deles é atuar rede, formados por agentes e organizações da sociedade civil, enquanto os escritórios realizam atividades de articulação com estados e municípios, executam políticas públicas culturais e fazem atendimento aos cidadãos sobre as políticas federais de cultura.
Roberta Martins é socióloga, educadora e gestora cultural desde 2013. Como diretora de Diversidade Cultural da Fundação de Arte de Niterói, Roberta Martins atuou no estímulo e na promoção de manifestações artísticas e culturais. Posteriormente, foi coordenadora de Estratégias e Gestão das Ações no Ministério da Cultura (MinC). Na entrevista, a secretária comenta a aprovação do Sistema Nacional de Cultural (SNC), além dos próximos passos após o fim da 4ª Conferência Nacional de Cultura.
Confira a entrevista completa:
Nonada Jornalismo – Há mais de 10 anos o Sistema Nacional de Cultura (SNC) aguardava a tramitação no Congresso e no Senado. Como você avalia a aprovação do SNC em março? O que o SNC significa na prática?
Roberta Martins – Para nós, é uma conquista imensa. Não só para o setor cultural, mas para o conjunto da sociedade brasileira. Se olharmos para trás, nos anos 1980, a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) possibilitou ao Brasil o acesso à saúde como um direito universo. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) idem, [oferecendo] a possibilidade de acesso aos direitos das pessoas. Então, na cultura, o Sistema Nacional de Cultura pode significar a estruturação da gestão pública de cultura e o fortalecimento da participação social, para que a gente consiga realmente efetivar os direitos à cultura do conjunto da população.
Isso tem um impacto fortíssimo no setor cultural, nos fazedores, nas pessoas que trabalham, mas sobretudo para a população. Essa é a observação mais ampla. Estamos olhando o conjunto da sociedade brasileira quando falamos de um Sistema. A estrutura pública não é só para quem é do negócio da cultura. Isso pode ser muito importante para nós, impactando o acesso, o fazer, a fruição – uma palavra difícil, mas que significa usufruir da cultura. Nas várias áreas, o SNC poderá contribuir com a estruturação da política pública nacional entre os entes federativos – os municípios, os estados e o governo federal.
Nonada Jornalismo – É possível prever um tempo para que vejamos a implementação acontecer?
Roberta Martins – Qualquer estrutura política é um processo permanente. Quando olhamos o SUS, até hoje temos necessidades de incorporação de direitos. A implementação será nesta primeira etapa, temos a necessidade de fazer a regulamentação do Marco Regulatório do Sistema Nacional de Cultural. Já o processo de instituição do Sistema é permanente.
Concomitante à regulamentação do Marco Regulatório, vamos trazer estados e municípios para entenderem essa realidade do que é ter uma Lei do Sistema Nacional de Cultura. Nós temos o dispositivo constitucional, que faz com que o SNC esteja na Constituição. Sobretudo, a questão da regulamentação precisa ser vista como dialógica, ou seja, em diálogo com os Entes e com o conjunto da sociedade. Com relação ao tempo, a minha interpretação de administração pública, é de que todos os processos são permanentes, e que sempre vamos ter necessidade de ampliar e colocar novas questões para serem abarcados.
Nonada Jornalismo – Em linhas gerais, no que se constituem os Comitês de Cultura?
Roberta Martins – Os Comitês de Cultura são organismos responsáveis pela articulação, comunicação e formação a partir do Governo Federal. Por exemplo, quando se lança um edital do Governo Federal, todas as pessoas do setor, e muitas das pessoas da sociedade, querem saber. Porém, é preciso que esse conhecimento sobre os editais seja popular, pois ele é do conjunto da sociedade brasileira, e não de parte. Os comitês de Cultura têm de comunicar e de fazer formações para que as pessoas tenham acesso, por exemplo, aos editais.
Outras questões são muito importantes, pois a cultura não é apenas distribuir ou dividir recursos para ações culturais. Ela tem um componente importante, como disse a 4ª CNC, ligado à democracia. Portanto, os Comitês são organismos que fazem debates sobre a política cultural e as questões da sociedade, porque isso é fundamental.
Nossa sociedade está se recuperando de um amplo momento onde a participação social não foi priorizada. Nós priorizamos a participação social. Os Comitês de Cultura vão contribuir para aquele ribeirinho, para o povo que está no Quilombo, para que consigam acessar informações sobre o que acontece na Cultura, além de ter a possibilidade de se comunicar com o MinC, e portanto, ter a possibilidade de ter acesso aos seus direitos sociais e culturais garantidos.
Nonada Jornalismo – Qual é o status atual dos Comitês de Cultura?
Roberta Martins – Nós vamos ter Comitês de Cultura em 27 estados. Na primeira fase da implementação, serão 81 organismos espalhados pelos estados. Além disso, vamos ter mais de 500 agentes culturais pelo Brasil em parceria com os Institutos Federais (IFs). Essas pessoas vão passar por formações, priorizando essa parte – a formação está sempre na nossa cabeça, porque ela é fundamental.
Qualquer sociedade que se desenvolve é através da educação, da formação e da capacitação, então a cultura não pode se olhar como diferente. Vamos ter essa a implementação dos Comitês logo depois da Conferência. Já fizemos a seleção das organizações que vão coordenar, já estabelecemos os lugares onde vamos iniciar o programa – através do Índice Territorial de Cultura, um dado que faz um cruzamento de uma série de questões, como número de equipamentos culturais, produções culturais, pontos de cultura e índices de vulnerabilidade social. Nós fizemos um cruzamento interessante para saber onde é mais necessário que o MinC vá.
O Ministério da Cultura não mora em Brasília. Ele tem que morar nas localidades e nos territórios, por isso a gente aponta a necessidade dos Comitês de Cultura para chegar mais perto das pessoas.
Nonada Jornalismo – Ao fim da 4ª Conferência Nacional de Cultura, 30 propostas estão eleitas. O que o MinC tem pensado para a execução desta metas, considerando que o último Plano Nacional de Cultura (PNC) teve poucas metas cumpridas?
Roberta Martins – Nesta Conferência, nós discutimos 10 anos em 5 dias. As demandas, as falas, todas são muito imensas e muito importantes. Para consolidar e orientar as políticas públicas, qualquer área precisa ter um plano. Você não vai de um lugar a outro sem plano. Você precisa saber para onde ir. A partir de agora, com as proposições, nós vamos ter pela frente a possibilidade de orientar diretrizes para, aí sim, entender quais metas vamos atingir.
Se a gente olhar para outras políticas públicas, como da saúde, nós temos uma meta de quantas pessoas precisam ser vacinadas. Na cultura, precisamos ter meta concreta, número. O trabalhador não tem meta para bater? A cultura tem que entender que a política pública é sua aliada e, portanto, a gente tem que ter metas mensuráveis e atingíveis – de formação, de capacitação, de pessoas empregadas, de pessoas com carteira assinada.
Precisamos entender quais prioridades a cultura aponta. Não tem mistério. O importante é olharmos a 4ª CNC, pegarmos essas propostas, e simplificá-las a tal ponto que consigamos chegar no final com essas metas atingidas. Esse é muito o sentido do Ministério que a Ministra Margareth Menezes lidera. Ela é uma mulher que traduz as ânsias do Setor Cultural, porque ela é uma artista, para as políticas públicas. Ela olha as necessidades da população, dos artistas, e consegue nos ajudar a traduzir em políticas públicas. Esse é nosso exercício com o Plano Nacional de Cultura.
Queremos que o PNC olhe para frente e veja: Para onde a política pública para cultura brasileira vai estar em 10 anos? Qual o seu lugar no desenvolvimento econômico? Qual o seu papel no fortalecimento da cidadania e da democracia brasileira? A gente tem que olhar para isso, porque a cultura é um dos principais pontos de agregação de empregabilidade e postos de trabalho que a gente tem no Brasil. As cadeias de empregabilidade no fazer cultural são imensas. A gente gera muitos empregos agregados. Olhar cultura, a partir de agora, é olhar por esse triplo viés: tem toda a discussão do viés antropológico, da sua importância, mas também da economia e cidadania junto.
Quando você tem o Carnaval e os Festejos Juninos você tem uma movimentação imensa. Quando você tem um festival de funk, você também tem uma grande movimentação. A cultura é sempre grande evento sempre. Precisamos valorizar o nosso fazer. Somos mais de 3% de movimentação do PIB, segundo os estudos do Itaú Cultural. Nós temos que comprovar isso à frente. É muito importante para nós.
Nonada Jornalismo – Para a senhora, qual os principais destaques e conquistas da 4ª Conferência Nacional de Cultura?
Roberta Martins – A aprovação do Sistema Nacional de Cultura no Senado Federal. Os nossos Senadores da Bancada do Governo, nossa liderança, foi muito firme, mas a oposição também votou junto. Isso só foi possível porque nós tínhamos 4 mil pessoas aqui, fazendo, discutindo e propondo política pública. Essa Conferência conseguiu, juntamente com o MinC, pautar uma importante votação que estava há muito tempo no Senado.
Eu faria também um segundo destaque. Em um lugar em que temos 4 mil pessoas, é claro que tem intercorrência, é normal, mas novas pautas estão surgindo com muita força, sinalizando para o poder público, que precisam ser incorporadas com muita seriedade e com muita disposição, como a acessibilidade. Temos uma quantidade muito grande e maior do que nas outras Conferências de Pessoas com Deficiência exercendo funções culturais. Nós não podemos recuar. Apareceu demanda e nós precisamos entender. Nosso sentido é inclusivo e essa é a grande lição dessa Conferência.
*A repórter viajou a Brasília a convite do Ministério da Cultura