Valter Joel Garcia, pescador da Ilha da Pintada, em Porto Alegre (Foto: Desirée Ferreira/Nonada Jornalismo)

Pescadores artesanais e moradores das ilhas de Porto Alegre têm sua cultura e futuro ameaçados após enchente

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*Esta reportagem foi realizada com apoio do Pulitzer Center

Porto Alegre (RS) — Da beira do rio Jacuí, na Ilha da Pintada, localizada no bairro Arquipélago, enxerga-se o centro de Porto Alegre. Este é o único lugar de onde é possível contemplar de frente a paisagem da cidade. Porto Alegre na terceira pessoa, dizem. O mesmo vale para quem está na margem do centro da cidade e observa a ilha. Um jogo de espelhamento que nem sempre reflete igualdades sociais, econômicas e políticas. 

O Arquipélago, formado por 16 ilhas, conta com 8.330 habitantes (Censo de 2010) e uma área de 44,2 km². O bairro integra o Parque Estadual Delta do Jacuí, uma Unidade de Conservação de proteção integral. Ali, também foi criada a Área de Proteção Ambiental Estadual, com 22.826,39 hectares, englobando o Parque Estadual Delta do Jacuí. 

Os alagamentos decorrentes de chuvas intensas e os transtornos provocados por elas fazem parte da rotina e da história dos moradores das ilhas. E não foi diferente em maio deste ano, quando a região foi tomada pelas águas durante a enchente que atingiu 478  dos 497 municípios do Rio Grande do Sul. Devido às precipitações, as cheias de rios de diferentes regiões do Estado (Jacuí, Taquari, Pardo, Sinos, Caí e Gravataí), escoaram no Guaíba, contribuindo para a elevação do rio na Capital. Conforme o Painel Informativo da Prefeitura de Porto Alegre, o Arquipélago foi o terceiro bairro mais afetado na Capital (1.688 pessoas). 

Em algumas ilhas, a pesca está entre as fontes de renda mais importantes. Entre os habitantes pertencentes a povos tradicionais na região, 44,89% são pescadores artesanais. No contexto das enchentes, esses grupos, além dos prejuízos materiais, ficam sem a sua fonte de renda. A correnteza, os detritos que a enchente trouxe e a perda do material de trabalho impossibilitam o retorno à atividade. Esses empecilhos colocam os pescadores do Arquipélago – grupo reconhecido como uma comunidade tradicional – em estado de vulnerabilidade, não apenas social e econômica, mas também de vínculo com o lugar onde moram.  Segundo o painel da prefeitura, 274 integrantes de comunidades tradicionais residem nas ilhas, incluindo pescadores, ribeirinhos e quilombolas.

É o caso de Maria Machado da Silva, de 70 anos, 44 deles dedicados à pesca. Das seis redes que ela e a família tinham, sobraram duas. A casa em que morava com o marido e a filha, e a residência do seu filho foram levadas pela água. Maria e a família estão abrigados à beira do Rio Jacuí, em barracas no vão da ponte nas rodovias BR-290 e BR-116. Distribuídas no terreno, estão sacolas de roupas que foram doadas à família.

Moradores da ilha do Pavão tiveram atividades de pesca prejudicadas com a enchente (Fotos: Desirée Ferreira/Nonada Jornalismo)

Há duas décadas Maria mora na Ilha do Pavão. “Eu quero sair daqui. Eu estou com 70 anos e só sofrendo em beira de rio. No verão tenho casa, água, luz. No inverno tem enchente e aí vai tudo”, lamenta Maria. Mas, em seguida, ela diz que não pretende ficar distante das margens de rios nem da atividade que pratica há tantos anos. Daquelas águas, ela conta que pesca traíra, jundiá, cascudo, piava, viola ou ainda biru.

Quem a introduziu no ramo foi o marido, homem que já vinha de uma família criada entre redes e anzóis. Hoje, ele está aposentado. Quem a ajuda na lida é um dos seus 12 filhos. “A gente larga o material à noitinha no rio. No outro dia, se levanta bem cedo para recolher a rede. Tiramos o peixe, limpamos. Eu, já tomando um chimarrão, dou um jeito no café. A gente respira um ar melhor pescando pelas beiras de rio afora”. Ela descreve a cena com um sorriso no rosto, enquanto olha o Jacuí.

O que são comunidades tradicionais?

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais foi instituída em 2007. O objetivo é o de garantir o desenvolvimento sustentável destes grupos, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos. Os Povos e Comunidades Tradicionais se reconhecem como culturalmente diferenciados. Adotam formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Empregam conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por gerações. Encontram na caça, na pesca e na extração de plantas e outros recursos, fontes de alimentação e renda, também contribuindo ara a conservação da biodiversidade brasileira.

Fontes: Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e Ministério do Meio Ambiente e Mudança no Clima

Perto do rio, longe da pesca

Na ilha da Pintada, a Colônia de Pescadores Z-5 está movimentada. Homens e mulheres entram e saem a todo o momento no prédio: pedem informações e realizam cadastros, reconhecimento facial para empréstimos e demais auxílios oferecidos aos profissionais atingidos pela enchente. Ali próximo, durante a entrevista realizada no início de agosto, uma retroescavadeira depositava terra e pedras na beira do Rio Jacuí. A força das águas de maio fez a estrutura ceder onde, antes, ficava o trapiche no qual as embarcações atracavam. 

O nível do rio cobriu quase três metros de altura na colônia de pescadores, fundada em 1921. O presidente da Colônia, Gilmar Coelho, havia reformado e pintado o prédio há pouco tempo, faltava apenas o reparo nos banheiros. Mas o alagamento deixou computadores, freezers abastecidos de peixes, atas e fotografias de 103 anos de história da colônia submersas. “Infelizmente, não se salvou nenhum documento. Nada, nada”, lamenta o presidente. Os almoços que eram promovidos para a comunidade local e turistas todos os domingos no espaço, com peixe assado na taquara e buffet de saladas, não ocorreram mais desde maio. 

Em decorrência das enchentes, os pescadores e pescadoras receberam no mês de julho e de agosto deste ano um auxílio emergencial do Governo Federal. O valor de um salário mínimo (R$ 1.412,00) para cada é voltado à categoria. “E vamos precisar de mais”, alerta Coelho. “Muitos não retornaram à Ilha. O impacto foi total. Eles não conseguiram pescar, perderam o material de pesca, as embarcações, as casas. Tem pescador aí que não tem nenhuma condição”, diz Coelho, que também é presidente da Federação das Colônias de Pescadores e Aquicultores do Rio Grande do Sul. 

Normalmente, neste período, a categoria já estaria “pescando o pintado”. Coelho acredita que a partir de setembro ou outubro, os profissionais consigam se estabilizar e retomar a pesca, porém, entre novembro e final de janeiro, chega a época de piracema, período em que a pesca é proibida. 

Cada pescador e pescadora paga uma taxa anual de R$ 250,00. A colônia conta com cerca de mil associados, considerando aqueles que são da Região Metropolitana de Porto Alegre e cidades vizinhas. Desses, 400 pessoas, aproximadamente, são da região das ilhas e outros bairros da Capital. Ali é oferecida assistência completa aos pescadores, desde o encaminhamento de documentações, de aposentadoria e da solicitação do Seguro Defeso, um benefício que pescadores artesanais recebem durante o período em que ficam impedidos de exercer a atividade. O objetivo é a preservação de determinadas espécies. O valor do benefício é de um salário-mínimo mensal e é pago enquanto durar o defeso.

O presidente da colônia comenta que a pesca é a atividade mais antiga da Ilha da Pintada. A maior parte dos moradores tem algum membro da família ligado a ela. O próprio Coelho é filho, neto e bisneto de pescadores. “Não sei o que vai ser daqui, se muita gente vai embora. O que sei é que eu não vou. Nem eu, nem a maior parte dos moradores mais antigos.” Ressalta que o lugar é pacato, a temperatura mais amena e os números de criminalidade são baixos. “A casa é o nosso lar, né? Aqui é o meu habitat natural. Não estar em contato com a água me deixa totalmente fora do rumo”.

De dentro do seu caiaque, na parte mais rasa do rio, Valter Joel Garcia da Silva diz algo parecido, enquanto prepara iscas para uma pesca, que começa a ser retomada por algumas pessoas timidamente. Ele nasceu na Ilha da Pintada. O seu avô e o seu pai eram pescadores. “Não gostamos muito de cidade, não”, diz Joel, referindo-se também à esposa, a pescadora Vera Terezinha Aires da Silva. “Para mim, aqui é melhor. Se eu parar com isso [pesca] eu acho que não duro muito tempo. Porque eu gosto disso aqui, nosso prazer é estar dentro do rio”.

Presidente da colônia de pescadores da ilha da Pintada mostra a altura que a água atingiu na enchente de maio (Fotos: Desirée Ferreira/Nonada Jornalismo)

Mesmo assim, Joel e a esposa pretendem manter uma distância segura das águas: vão se mudar para Arroio dos Ratos, cidade a 54 quilômetros do Arquipélago. Eles venderam as duas casas que tinham no bairro. Irão reconstruir o galpão na beira do rio Jacuí onde guardavam o material de pesca e o caiaque, e que foram levados pela correnteza da enchente, voltando à ilha apenas para pescar. “Eu tinha quatro barcos e sete motores aqui. Hoje não tenho nenhum.”

Terezinha conta que a vida do casal foi poupada e não quer desperdiçar a chance. Ela, o marido e o cachorro passaram quase uma semana dormindo dentro do caiaque. A casa deles foi alagada, assim como todo o bairro. Passaram dias se alimentando apenas de  bergamota, da árvore que tinham no pátio de casa e que não resistiu ao alagamento. Até encontrarem uma geladeira com comida dentro. Logo depois, passaram a receber alimentação de voluntários.

Mobilização por cidadania na Ilha do Pavão

A Ilha do Pavão também não escapou das águas. É a menor ilha do bairro, ali moram 156 famílias formadas, em sua maioria, por mulheres, população negra e indígena. “A gente está acostumado. Tem casa que já é mais alta, por isso. Nas que são mais baixas, e a água dá na cintura, as pessoas erguem o que dá [pertences e utensílios] ou penduram no forro. De dia ficam na rua e de noite voltam”, explica a vice-presidente da Associação Vitória Ilha do Pavão, Cristina de Almeida Cardoso. O restante dos moradores, complementa ela, sobe para um lugar mais elevado ou se abriga nas barracas da rodovia. Mas desta vez foi diferente, como diz Cristina, “a água tapou tudo”. As cheias ocorridas no início de maio deste ano, alcançaram níveis mais severos.

A Associação, criada há oito anos, e que tem como presidente a professora de educação infantil Sandra Ferreira, contava com uma cozinha comunitária, onde era servido almoço para as mães e crianças da comunidade – os alimentos são doados por ONGs e pessoas físicas interessadas em colaborar. No espaço também estava sendo ministrado curso de costura e de produção de sabão para que fossem revertido em fonte de renda. No entanto, todo o material, alimentos, máquinas de costura e computadores usados para acesso da comunidade foram levados pela água.

Cristina e Sandra acreditam que apenas a metade dos moradores devem ter retornado às suas casas, já que muitas foram levadas, deslocadas ou tiveram a estrutura comprometida pela correnteza. Elas contam que agentes da prefeitura foram até a Ilha, com o auxílio de um drone, para averiguar as condições das residências. Mas os terrenos em que não havia mais os imóveis não tiveram propriedade reconhecida.

Por outro lado, foram consideradas próprias para moradia as que ainda restavam em pé, mesmo com estrutura precária. “Dizem que a casa está segura porque tem telhado, mas eles não veem como está dentro. De que maneira alguém com filho pequeno vai morar aqui?”, aponta Cristina para uma casa de madeira que parece se esforçar para manter-se erguida. Diante dos terrenos vazios, Cristina nomeia cada um dos proprietários. “Moro na ilha há mais de 30 anos, sei quem vive aqui”. 

Cristina e Sandra, lideranças comunitárias da ilha do Pavão (Foto: Desirée Ferreira/Nonada Jornalismo)

A comunidade da Ilha do Pavão se mobiliza constantemente, reivindicando direitos e visibilidade ao poder público. É bastante articulada entre si. A maior parte das famílias trabalha com coleta de lixo reciclável. “Trabalhavam, pelo menos até eles cortarem isso aí também. Começaram a matar a ilha à míngua. A gente está na resistência aqui, entendeu?”. Sandra se refere à lei aprovada em 2008 pela Câmara Municipal, a qual determinava a retirada gradual de veículos de tração animal e veículos de tração humana que circulavam pela cidade, recolhendo materiais descartáveis. 

Esta última determinação vinha sendo adiada há anos e passou a valer desde junho deste ano. Atualmente, a legislação prevê o dia 30 de junho de 2024 como prazo de proibição de circulação dos veículos de tração humana no trânsito. Mas a Câmara de Vereadores de Porto Alegre está debatendo uma proposta que prevê o dia 31 de dezembro de 2025 como data definitiva. Quem descumpre a lei está sujeito à multa. A intenção do projeto era a de fazer os catadores participarem do mercado de trabalho formal, o que acabou não ocorrendo na prática. 

O Arquipélago está inserido em uma Área de Proteção Ambiental (APA). Questionada se a população é orientada a respeito dessa condição e se ela intervém na vida dos moradores, Sandra comenta: “Na realidade, a implicância é com a pobreza mesmo. Porque APA todas as ilhas são. Enquanto as mansões podem se estabelecer, os pobres não podem fazer nada [nas residências]. Se eu quiser aterrar um terreno, eu não posso. Enquanto os outros, que têm muro alto, colocam uma retroescavadeira dentro do terreno e fazem o que bem entendem.”

Em razão disso, alguns moradores das ilhas observam com desconfiança intenções de especulação imobiliária, sobretudo após a enchente. Durante a repercussão do alagamento de maio, debates que envolvem a opinião pública insinuam a retirada das famílias das ilhas. Sandra percebe que existe interesse nestes locais mas pergunta por que apenas as pessoas de baixa renda precisariam sair do Arquipélago. “A ilha pode desaparecer mesmo, como estão dizendo? Ou dizem isso para apavorar o povo daqui? Por que os ricos não falam em ir embora e estão lá, limpando e reconstruindo as suas casas? É isso que a gente quer saber”. Durante a despedida, a reportagem deseja sorte aos moradores. ”Acho que a gente precisa mais do que sorte desta vez. Precisamos é de um milagre”, diz Sandra com uma risada.

Um lar chamado ilha

“Da orla, lá na Ilha da Pintada, a gente sempre fala que a Capital está de frente para nós. Na verdade, está de costas. Porque ninguém lembra que a gente existe. Agora, Porto Alegre está agindo como se tudo estivesse normalizando. Mas quem vai até lá, do outro lado, sabe que não há nada normal.” Quem faz este relato é a bibliotecária, presidente da ONG Colaí e uma das lideranças da Ilha da Pintada, Francine Conde Cabral. Ela se diz moradora da ilha “desde sempre”. Nasceu e cresceu lá, assim como os avós e pais, que trabalhavam com a pesca. “Me constituo enquanto pessoa, me entendendo como alguém da ilha.”

Ela se refere ao bairro onde mora com distanciamento, pois desde a enchente de maio decidiu alugar um apartamento na Cidade Baixa, na área central de Porto Alegre. Em novembro de 2023, durante outra enchente, ela e a família, assim como os demais moradores, tiveram que sair do Arquipélago. Francine não quis que a filha de oito anos passasse pelos mesmos transtornos mais uma vez. Ela conta que a família perdeu tudo, “não há o que recuperar”, a água chegou próximo ao teto da casa, onde morava com a mãe, dois irmãos e a filha, de oito anos de idade. Para além disso, a separação da família nuclear é o processo mais difícil para a bibliotecária. Ela mora com a filha na Cidade Baixa e o restante da família está na Zona Norte de Porto Alegre. 

A ONG que Francine preside desenvolvia um trabalho com os jovens da comunidade voltado à democratização da leitura, ao acesso ao livro e à cultura. Ali também era dado um foco à valorização da juventude local. As ações ajudavam na construção da autoestima. “A gente que cresce na ilha tem uma percepção muito diferente do mundo. Quando chegamos em outros espaços sofremos esse choque de entender que o mundo não é a nossa ilha.” A  Colaí também foi atingida. O acervo da biblioteca comunitária foi perdido, assim como o material usado nas atividades e equipamentos de som. Os projetos vinculados a editais que precisam ser executados estão sendo efetivados em outras instituições parceiras.  

Francine Cabral, presidente da ONG Colaí (Foto: Desirée Ferreira/Nonada Jornalismo)

A inserção das ilhas na APA é um ponto que recebe a atenção de Francine. Enquanto comunidade tradicional, ela diz que a população mantém uma relação próxima com a natureza. Adverte que, como em qualquer lugar, há quem não se importe, mas, de forma geral, é um povo que trabalha junto à natureza. As marinas instaladas nas ilhas são um grande centro de movimentação econômica na comunidade, mas não para a comunidade, destaca Francine. “Isso tem que ficar claro. Elas movimentam [a economia] para pessoas que compraram terreno na ilha e estão lá explorando o território. Compram as casas por um preço que eu não considero justo, até porque eu acho que nem tem como precificar a nossa moradia na ilha, que é culturalmente importante para nós.”

A remoção da população das ilhas não é a solução, na opinião de Francine. Ela compreende que há pessoas traumatizadas com o ocorrido e que querem partir, ainda que temporariamente. Neste caso, ela acredita que a prefeitura e o poder público teriam que oferecer condições e moradia em lugar diferente. De outro lado, estão as pessoas que querem permanecer, afinal, “a ilha não acabou”, lembra.

Essa foi a terceira enchente que o Arquipélago vivenciou dentro de um ano, por isso Francine diz que a comunidade não é ingênua em achar que nunca mais haverá outra. “A questão é que a gente precisa ter subsídio para a construção de residências, espaços culturais e escolas, e de construção da ilha mesmo. Estruturas que garantam que a gente não tenha perda total cada vez que acontecer”. Por isso, a solução de moradia para essas pessoas seria política, tanto para quem quer ficar, tanto para quem quer sair.

Ser da ilha, para Francine, não é apenas uma questão territorial. Ela diz não estar no Arquipélago apenas porque foi forçada a isso, pois não restou nada da sua casa. “Eu posso estar em qualquer outro lugar: eu sempre vou querer voltar para a minha casa. E quando eu falo ‘casa’, eu não falo onde eu alugo. Eu quero voltar para a minha ilha, sabe? Lá eu sinto que é o meu lugar no mundo.”

O que diz o poder público

Em resposta ao Nonada quando questionada sobre as visitas realizadas à Ilha do Pavão, o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática da prefeitura de Porto Alegre informou que representantes da universidade TU Delft e da diretoria de Planejamento Urbano de Porto Alegre estiveram na ilha para avaliar as condições locais. “A parcela da população que quer deixar a região será a primeira a receber a opção de morar em outro lugar. O Município reúne os dados e leva ao Ministério das Cidades, para que o Governo Federal complete a ação financiando imóveis com o Minha Casa Minha Vida e demais programas habitacionais.”

Já a respeito de planos futuros para o Arquipélago, a prefeitura informou que técnicos da universidade holandesa TU-Delft  vistoriaram, no dia 22 de julho, o bairro Arquipélago. “A Universidade e a prefeitura de Porto Alegre assinarão uma cooperação bilateral, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para elaborar o Plano Urbanístico Ambiental para Desenvolvimento Sustentável das Ilhas de Porto Alegre. A medida faz parte do Plano Estratégico de Reconstrução da cidade. O estudo contará com um plano emergencial, a ser apresentado em quatro meses, com soluções de reassentamento, regularização fundiária, adaptações para as moradias e obras necessárias para minimizar os impactos das cheias nas ilhas. 

Um segundo plano urbanístico, a ser realizado em 18 meses, atenderá uma demanda antiga da população de definir o planejamento urbano específico com a inclusão efetiva do território no Plano Diretor e um plano de obras estruturais como intervenções viárias e saneamento para minimizar o impacto das cheias do Guaíba no futuro.”  O trabalho será coordenado pela universidade holandesa com apoio de parcerias locais. Os recursos do PNUD serão de R$ 7,350 milhões. 

Já a Casa Civil do governo federal, indagada se existe a possibilidade de o Auxílio Emergencial voltado aos pescadores ser estendido a um número maior de parcelas, disse em nota que, além das duas parcelas pagas nos meses de julho e agosto, ressaltam “que o apoio aos diversos setores impactados pelas enchentes no Rio Grande do Sul é objeto de constante avaliação do Governo Federal. No momento, não é possível fornecer informações sobre ações futuras.”

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Jornalista freelancer na área cultural e graduanda no Bacharelado em História da Arte (Ufrgs) e escritora. É autora do livro de contos “Como se mata uma ilha” (Zouk, 2019).
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