Ana Paula Maia (foto: Marcelo Correia/divulgação)

8 escritoras latino-americanas que trazem o insólito e o fantástico em suas obras

Uma multidão de noivas enfurecidas largadas por seus noivos na beira de uma estrada. A primeira mulher a voltar dos mortos numa cultura luso-brasileira antiga de ressurreição, sem lembrar de nada. Uma travesti surda que se surpreende com o crescimento de penugem em sua pele, prenunciando sua transformação em pássaro. Esses são alguns dos enredos que abarcam as histórias insólitas e fantásticas da literatura latino-americana produzida por mulheres nos últimos anos. 

Insólito é aquilo que foge do comum, que é raro, extraordinário. Dentro da literatura, o insólito assume formas variadas partindo dessa definição, encontrando aporte numa situação de estranhamento vivenciado pela personagem, se associando com o sobrenatural. Ou seja, é uma situação de ruptura com o cotidiano. Quem explica o conceito é a escritora Irka Barrios, autora de Lauren (Caos & Letras, 2019), Júpiter Marte Saturno (Uboro Lopes, 2022) e Vespeiro (DarkSide Books, 2023). “​​Eu gosto de pensar que é uma categoria que transborda de dentro do horror e acaba abraçando outras vertentes, que também podem estar associadas ao horror, embora não sejam”, explica a escritora.

O tango Brasil-Argentina também encontra um tablado nessa literatura, que durante tanto tempo foi associada às obras masculinas de escritores como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Monteiro Lobato. De um lado, o fantástico salta das páginas e flerta com um realismo mágico através das obras de escritoras brasileiras como Lygia Fagundes Telles e Socorro Acioli. Do outro, o insólito penetra até o último tecido do corpo e inverte a ordem das entranhas nas obras de argentinas, a exemplo de Mariana Enriquez e Samanta Schweblin. É claro que as escritoras brasileiras também se aventuram no insólito e vice-versa, mas o que tem se visto é uma tendência que pode ser entendida como tradição. 

Na Argentina, a escritora e poeta Silvina Ocampo trazia o insólito em seus contos já na primeira metade do século XX. Na narrativa curta A Expiação (traduzido para o português em 2013), um triângulo amoroso formado por um casal de jovens e um amigo, que acaba se apaixonando pela esposa do amigo de infância, encontra o insólito e o fantástico num momento de revelação marcado por recordações a partir de um número com canários adestrados. 

No Brasil, a escritora, jornalista e professora cearense Emília Freitas foi a primeira pessoa de que se tem notícia a publicar um romance de literatura fantástica no país, ainda no século XIX. Em A Rainha do Ignoto (1899), uma mulher lendária da Amazônia, que parece ter um pacto com fadas e demônios e se utiliza de hipnotismo e parapsicologia para ter sucesso em suas conquistas, luta contra injustiças sociais ao lado do grupo de mulheres que lidera. A narrativa segue um doutor do Recife que, fascinado pelo mundo da Rainha do Ignoto, se disfarça de mulher na intenção de penetrar em seus domínios e desvendar seus mistérios.

A linha entre o insólito e o fantástico, como se percebe no exemplo de Silvina Ocampo, é tênue. Ambos partilham do sobrenatural, da ruptura com o ordinário, como fator determinante. Para Irka Barrios, a diferença pode estar tanto na linguagem quanto na forma. “A literatura fantástica não pode ter certeza de nada. (…) O fantástico deve permitir dois ou até mais de dois tipos de interpretação para o leitor”, explica. 

Segundo a escritora, é provável que a maneira mais “enxuta” de escrever das escritoras argentinas acabe por inseri-las com mais facilidade no insólito, enquanto as escritoras brasileiras, por terem uma escrita mais poética – que tem como fundamento a múltipla interpretação –, se destaquem no campo do fantástico. Mas isso também não é uma máxima. Um exemplo dessa contradição é a  escritora argentina Camila Sosa Villada, autora de O Parque das Irmãs Magníficas, que escreve suas narrativas viscerais com pincéis de poesia.

Conforme o tempo avança, mais escritoras vão se juntando à procissão crescente de insólitas mulheres fantásticas da literatura da América Latina. A expoente argentina Mariana Enríquez é descrita por Barrios como um “disparador de todas as outras [escritoras argentinas do insólito] que vieram depois”, no sentido de dar visibilidade ao gênero literário nesta nova geração, uma vez que muitas já publicam há algum tempo. Socorro Acioli honra o histórico nordestino das narrativas fantásticas com suas histórias e incentiva um sem-número de autoras com seus cursos de escrita criativa. 

Conheça 8 escritoras latino-americanas que trazem o insólito e o fantástico em suas obras:

María Fernanda Ampuero

Escritora e jornalista, a equatoriana María Fernanda Ampuero nasceu em 1976 e escreve narrativas de ficção e não-ficção e traz em suas obras narrativas que ilustram o brutal do ser humano. Em Sacrifícios Humanos (Editora Moinhos, 2021, tradução de Silvia Massimini Felix), última publicação da autora, a podridão, a hostilidade e a violência marcam a vida das personagens. Seu romance de estreia, Rinha de Galo (Editora Moinhos, 2021), foi descrito pela argentina Mariana Enríquez como um livro sobre “como o espaço familiar, que deveria ser de proteção e segurança, é, em muitos casos, o lugar em que se concretizam as violências mais indescritíveis, aquelas que deixam cicatrizes permanentes”. 

Socorro Acioli

A cearense Socorro Acioli é jornalista, escritora e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal Fluminense. Participou da última oficina de escrita criativa (Como contar um conto) ministrada pelo escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez, em 2006. Foi durante a oficina que a escritora desenvolveu o seu romance fantástico A Cabeça do Santo, publicado em 2014 pela Companhia das Letras. Em 2023, seguindo na mesma temática da religiosidade e dentro do fantástico, a autora lançou seu segundo romance, Oração para desaparecer, pela mesma editora. Socorro Acioli também é autora de 18 livros infanto-juvenis e já foi vencedora do prêmio Jabuti pelo livro Ela tem olhos de céu (Editora Gaivota, 2012).

Taiasmin Ohnmacht 

A escritora gaúcha Taiasmin Ohnmacht é também psicóloga e psicanalista. Participou de diversas antologias. Seu romance Vozes de Retratos Íntimos (Taverna, 2021) foi vencedor dos prêmios AGES e Açorianos de Literatura como melhor Narrativa Longa. Ele também foi finalista nos prêmios Jabuti, São Paulo de Literatura e Academia Rio-grandense de Letras. No ano passado, publicou o romance Uma chance de continuarmos assim (Diadorama, 2023), cuja narrativa fantástica segue uma dupla de amigas que inventa um dispositivo que as permite deslocar-se no tempo, possibilitando-as o saber sobre a questão do racismo no futuro.

Ángela Cuartas

A colombiana Ángela Cuartas é escritora e tradutora. Lançou pela editora Diadorim o livro Madressilvas (2023), uma coletânea de contos que tem o corpo como centro da narrativa poética a partir de metáforas que retratam a natureza em seus momentos mais vivazes. Atualmente residente em Porto Alegre, a escritora é doutoranda em Escrita Criativa na PUCRS. 

Camila Sosa Villada

O poético, a crueza e o fantástico se encontram nas obras da escritora e atriz transgênero Camila Sosa Villada. A argentina é autora do livro de contos Sou uma tola por te querer (Tusquets, 2022), do ensaio autobiográfico A viagem inútil (Fósforo, 2024) e do romance O parque das irmãs magníficas (Tusquets, 2021). Camila tem ganhado projeção na literatura latino-americana nos últimos anos a partir de sua transescrita, que traz como enfoques narrativos a experiência de mulheres trans e travestis.

Samanta Schweblin

A escritora argentina Samanta Schweblin é possivelmente uma das autoras latino-americanas que trazem o insólito em suas narrativas com maior evidência. Em Pássaros na boca e Sete casas vazias: contos reunidos (Fósforo, 2022), a autora explora a ruptura de acontecimentos cotidianos a partir de situações que flertam ou falam diretamente sobre o sobrenatural. Foi vencedora do Prêmio Casa de las Américas em 2008 pelo livro de contos Pássaros na Boca. Em 2010, Samanta foi eleita pela revista Granta como uma das 22 melhores jovens escritoras de língua espanhola.

Irka Barrios

A escritora Irka Barrios é fascinada por narrativas de horror. Estreou na literatura a partir do curso de escrita criativa ministrado pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, em 2015. A partir daí, a autora passou a figurar em coletâneas publicando contos, dos quais se destaca O Coelho Branco, que a garantiu o segundo lugar no Prêmio Brasil em Prosa, Amazon/Jornal O Globo (Prêmio Percursor do “Prêmio Kindle”) em 2015. Seu romance de estreia, Lauren, foi lançado em 2019 pela editora Caos & Letras. Desde então, a autora publicou os livros de contos Marte Jupiter Saturno (Uboro Lopes, 2022) e Vespeiro (DarkSide Books, 2023). Atualmente, é doutoranda em Escrita Criativa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Ana Paula Maia
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O insólito da carioca Ana Paula Maia aparece muito atrelado a ambientes rurais. Duas vezes vencedora do prêmio São Paulo de Literatura, a autora de obras como “Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos”, “O Trabalho Sujo dos Outros” e “Carvão Animal, que formam sua “Trilogia da Brutalidade”, foi elogiada por colegas como Selva Almada. A violência é uma temática presente em suas obras, que também mescla elementos da ficção científica e do futuro distópico.

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Estudante de Jornalismo na UFRGS. Repórter em formação. Gosta de escrever sobre o Outro. Na mesa de cabeceira há sempre um romance. Cearense no Sul.
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