O poeta e ativista Oliveira Silveira (Foto:Tânia Meinerz/reprodução)

Eventos culturais nas cinco regiões do país marcam primeiro feriado nacional do Dia da Consciência Negra

Nos anos 70, o Grupo Palmares, fundado por jovens intelectuais e ativistas negros, reunia-se em Porto Alegre, assumindo os riscos da perseguição na ditadura, para promover uma história da negritude diferente daquela contada pelas fontes oficias e históricas. O escritor e ativista Oliveira Silveira era um dos jovens que, naquela época, idealizou o Dia da Consciência Negra, em referência à morte de Zumbi dos Palmares. A difusão pelo país foi progressiva, e foram quatro décadas de luta para que o Dia se tornasse nacionalmente celebrado, através da Lei 12.519, de 2011. Treze anos depois, em 2024, a data será feriado nacional pela primeira vez no Brasil. 

O professor e poeta Ronald Augusto avalia que a conquista é significativa para todo país: “A data demarca um significado de luta de muito tempo de vários atores, desde o Grupo Palmares. Em vários municípios, já era feriado, como em São Paulo. Por outro lado, Porto Alegre, a cidade onde a data surgiu, recusava – o que no fundo, é uma negação do próprio racismo. Agora, tornando-se uma data oficial, tem que engolir”, analisa o escritor e também editor do livro “Oliveira Silveira: poesia reunida (2012)”. 

O Legado do Grupo Palmares reverbera até hoje. Para Ronald Augusto, a história de Oliveira não deixou marcas apenas no campo político, do movimento social, mas deixou rastros artísticos que precisam ser lembrados. “Oliveira Silveira foi um escritor, um poeta. Não nego sua atuação como ativista, mas não podemos esquecer que ele foi um grande poeta brasileiro”, explica Ronald. 

O professor defende é preciso olhar para além da história pessoal de artistas negros e negras, mas para as produções artísticas significativas que moldam o campo no Brasil. Segundo ele, é comum que as qualidades das obras não sejam tão valorizadas quanto poderiam, e isto, em dias como o 20 de Novembro precisa ser ainda mais lembrado. “Acontece no campo das artes de as pessoas serem vistas apenas por suas histórias pessoais, ou pelo combate ao racismo, e a produção artística delas fica em segundo plano. Isso é muito ruim”, avalia. “Todos os artistas são interpelados sobre o que eles pensam em cunho literário ou estético, enquanto para os artistas negros são perguntados sobre suas histórias de vida.” 

“Eu sigo os passos de Oliveira e de todos os ancestrais”, diz Sátira Machado, docente da Universidade Federal do Pampa, Biográfa de Oliveira Silveira. Ao lado da filha do poeta, Naiara Rodrigues Silveira, a professora coordena o Instituto Oliveira Silveira (OIS), com o acervo do intelectual, que ganhou uma sede física na Faculdade de Educação da UFRGS (Faced), em 2023. Sátira leva a obra de Oliveira para tudo que faz, sempre incluindo títulos de livros do autor em exposições, livros e outros projetos. É o caso de “Anotações à Margem”, exposição co-curada por ela e por Caroline Ferreira, e que proporciona um diálogo entre a obra de um dos criadores do Dia da Consciência Negra com artistas visuais contemporâneos. A mostra acontece no Remanso, Instituto Cultural, em Porto Alegre.

Em Novembro, o Ministério da Cultura (MinC) lançou a Campanha Cultura Negra Vive, em parceria com o Ministério da Igualdade Racial (MIR), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e a Fundação Cultural Palmares. A iniciativa constituiu-se no Mapa do Brasil pela Igualdade Racial em que fazedores culturais puderam preencher com ações culturais celebrando a cultura negra. O conjunto gerou um Mapa Colaborativo da Cultura Negra de novembro, permitindo a visibilidade das celebrações em todo o país. O resultado pode ser consultado online. 

O Nonada Jornalismo mapeou 15 eventos culturais realizados em alusão ao Dia da Consciência Negra. Confira abaixo a lista completa, contemplando todas as regiões do país: 

Norte

Trabalho da artista paraense Nay Jinknss (Foto: divulgação)
Ancestralidade Africana, em Belém (PA)

Celebrando a identidade, a história e a cultura ancestral, o Sesc no Pará preparou uma programação cultural para o mês de novembro, contemplando oficinas, literatura, cinema, artes cênicas, fotografia e artes visuais. Os costumes, as tradições e os desafios da vida contemporânea serão abordados numa programação diversa. Entre os destaques, está a Vivência “Arquivos em disputa, compartilhamento de processo de criação e pesquisa”, com Nay Jinknss” e o Espetáculo “Lerygou – A Princesa do Pitiú”, com Assucena Pereira, ambos no dia 23 de Novembro. O espetáculo teatral aborda temas sérios com humor, utilizando a palhaçaria para discutir questões como a sexualização do corpo negro, racismo e dívidas históricas.

CineDeColônia: Consciência Negra e Justiça Climática, em Manaus (AM): 

No dia 20 de novembro, o “CineDeColônia: Consciência Negra e Justiça Climática” vai acontecer no bairro Colônia Santo Antônio, em Manaus, com uma programação especial em homenagem ao Mês da Consciência Negra. Realizado pelo Coletivo Pererê, o evento, que será gratuito e aberto ao público, acontecerá das 16h às 18h e busca sensibilizar a comunidade sobre a relação entre a justiça climática e questões raciais, promovendo um espaço de aprendizado, diálogo e engajamento social.

O evento visa conscientizar sobre o impacto da crise climática nas comunidades negras e periféricas e a importância da justiça climática, abordando temas que são da vivência das periferias de Manaus. A intenção é inspirar os participantes a refletirem sobre esses assuntos e se tornarem agentes de mudança, engajados com práticas sustentáveis e a preservação ambiental.

Batucada da Consciência, em Belém (PA)

O evento está alinhado com a principal ocupação cultural, a Roda de Samba Fé no Batuque, realizada mensalmente há 4 anos em Belém, em um dos mais importantes pontos históricos e turísticos da capital – o Mercado Ver-o-Peso. Desde 2020, o Batuque da Feira do Açaí afirmam o compromisso político de resistência cultural e valorização da cultura negra e suas manifestações, inclusive afro-religiosas, uma vez que a roda traz na mesa do samba imagens de entidades e orixás, além de cantar e tocar pontos e músicas ligadas a cultura afro religiosa. 

Em razão das reformas para a COP-30, o Batuque foi transferido para o Boulevard da Gastronomia, onde será realizada a Batucada da Consciência. O evento acontece no dia 19 de novembro, a partir das 20h. 

Nordeste 

Foto: Noel Rosa/Governo do Maranhão
Viradinha Afro Cultural, em São Luís (MA)

Organizado pelo Instituto Yluguerê, a 2ª Edição da Viradinha Afro Cultural marca o retorno do Festival de arte e cultura negra. Em 2024, o grupo celebra 10 anos de atuação, promover a cultura afro-maranhense e impulsionar as carreiras de artistas negros(as).O projeto conta com 30 atrações, entre shows e apresentações culturais, gravações de videoclipes e sessões de fotografia. Conta, ainda, como plateia com a presença de escolas públicas e a valorização da música regional. O evento acontece no dia 22 de novembro, das 8h às 00h, na Praça Deodoro. 

A coisa tá preta: então tá bonita, em Maracanaú (CE)

Com uma proposta de valorização da cultura negra, o evento terá uma formação sobre o fundamento do coco, abordando suas raízes e importância como expressão cultural e resistência. O objetivo principal de “A Coisa Tá Preta” é destacar o papel das manifestações culturais afro-brasileiras e promover um espaço de valorização para a comunidade, ao mesmo tempo em que celebra as heranças culturais negras e suas influências na sociedade. Além da formação sobre o coco, o evento contará com a presença de afroempreendedores, reforçando a importância do empreendedorismo negro e da economia criativa. Haverá também apresentações de capoeira e outras performances artísticas que exaltam a ancestralidade e a força da cultura afro-brasileira. “A Coisa Tá Preta” também realizará a premiação Aqualtune – Luta Antirracismo, que homenageará figuras de destaque nas áreas de educação, saúde, empreendedorismo, cultura e luta antirracista, reconhecendo e celebrando aqueles que promovem a igualdade racial e fortalecem a identidade cultural. “A Coisa Tá Preta” será realizado no dia 23 de novembro, a partir das 16 horas, na Praça Fabiola Teixeira, localizada no Parque Piratininga, em Maracanaú, Ceará. 

Festival das Negritudes, em João Pessoa (PB)

 João Pessoa se transformará em um espaço de celebração e valorização da cultura afro-brasileira. O Festival das Negritudes será um evento que reunirá arte, música, dança, gastronomia, teatro e muito mais, para destacar a riqueza histórica, social e cultural das populações negras. O Festival será um marco para a promoção da igualdade racial, dando visibilidade a artistas e produtores negros, refletindo sobre questões sociais e educando sobre as contribuições fundamentais da cultura afro-brasileira. O Festival acontece de 16 a 23 de novembro, em diversas localidades de João Pessoa, na Paraíba. 

Sul

Exposição Anotações à Margem (foto: Instituto Cultural Remanso/divulgação)
3º Festival Porongos, em Porto Alegre (RS)

Iniciativa criada em 2018 para impulsionar a cultura negra no Sul do Brasil, o Festival Porongos – Concertos Descentralizados chega a sua terceira edição amplificando sua atuação, agora, junto às comunidades periféricas de Porto Alegre. Tendo por objetivo fomentar redes de artistas negros da indústria cultural local e democratizar o acesso às artes e à cultura, o projeto consiste em um festival de música (gratuito e aberto ao público) e em atividades formativas para moradores da Zona Leste de Porto Alegre. O festival de música negra, para todas as gerações, irá reunir atrações de diferentes estilos musicais. 

A escolha da data para o festival de música é uma tributo ao poeta e escritor Oliveira Silveira, que liderou o movimento pela criação do Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem ao líder negro, Zumbi de Palmares, morto no dia 20 de novembro de 1695. “É muito gratificante, olhar o percurso que o Porongos vem trilhando. O Festival disponibiliza um território negro efêmero de celebração e afirmação de nossa identidade afro-gaúcha”, comenta Thaise Machado, idealizadora e coordenadora do projeto. O Festival Porongos é um ato de exaltação aos Lanceiros Negros, bravos guerreiros que lutaram na Guerra Civil Farroupilha em troca de sua liberdade. O festival dedica-se a promover arte e cultura negra em protesto ao histórico evento em Cerro dos Porongos. “A arte, para a população negra, sempre foi e será uma das principais ferramentas de combate ao racismo e de denúncia de preconceitos. O Festival Porongos se afirma como forma de manifesto”, afirma Machado.

Encontro Black, no Museu da Cultura Hip Hop RS, em Porto Alegre (RS)

Para celebrar a data, o Museu da Cultura Hip Hop RS – o primeiro da América Latina – convida Tony Tornado, Cristal, D´Moreno, J.Clip e Big Boys para o Encontro Black. O evento é gratuito, e os ingressos estão disponíveis via Sympla – retire aqui. Para garantir a entrada, é necessária a doação de um quilo de alimento não perecível.

Tony Tornado é uma das figuras mais emblemáticas da música nacional. O artista, também conhecido por sua atuação cênica, tem mais de cinquenta anos de carreira. Dono de sucessos como “BR-3”, “Me Libertei” e “Mané Beleza”, Tony desembarca em Porto Alegre para sua apresentação ao lado da banda Banda Funkessencia, que o acompanha desde os primórdios de sua trajetória.

“”Estamos muito felizes e honrados em promover este grandioso evento, com a participação de artistas negros e negras tão potentes, reafirmando a existência e a potência da cultura negra no Rio Grande do Sul. É nosso compromisso, quanto parte da Cultura Hip Hop, através desta data e evento, reforçar a conscientização e reflexão quanto as pautas do movimento negro”, afirma Aretha Ramos, coordenadora administrativa do Museu.

Exposição Anotações à Margem, em Porto Alegre (RS)

Realizada pelo Remanso Instituto Cultural, em parceria com o Instituto Oliveira Silveira, a mostra celebra a trajetória do poeta gaúcho Oliveira Silveira, um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra, ao mesmo tempo em que o coloca em diálogo manuscritos e desenhos do acervo do intelectual e poeta com artistas contemporâneos de Oliveira como Américo Souza e Maria Lídia Magliani, além de Pâmela Zorn, Thiago Madruga, Estêvão da Fontoura, Wagner Mel, Cristina Rosa, Crystom Afronário. A curadoria é de Caroline Ferreira e Sátira Machado.

Dividida em três núcleos centrais, a mostra apresenta ‘A Página’ como um espaço de produção intelectual onde notas e registros revelam o universo íntimo do poeta e intelectual. Já em ‘À Margem’ se destaca o lugar historicamente relegado à população negra no Brasil e no Rio Grande do Sul, abordando os movimentos de resistência e o pensamento crítico dos artistas e intelectuais negros. Em ‘O Rio’, por sua vez, apresenta-se a relação entre o território e a população negra, tanto em termos de desafios e conflitos quanto como símbolo da passagem do tempo. A visitação é do dia 01.11.2024 até 21.02.2025.

Sudeste 

Tereza de Benguela (foto: reprodução)
Exposição “Reinados Negros no Brasil e a Discoteca Oneyda Alvarenga” em São Paulo (SP)

No mês da Consciência Negra, o Centro Cultural São Paulo apresenta um importante conjunto do Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga. A exposição “Reinados Negros no Brasil e a Discoteca Oneyda Alvarenga” revela raros registros de expressões culturais como a Congada e o Cateretê – documentadas nos anos de 1930 pela Discoteca Pública Municipal e Missão de Pesquisas Folclóricas, sob a política cultural de Mário de Andrade à frente do Departamento de Cultura – e destaca o papel de Oneyda Alvarenga na direção da Discoteca.

O conjunto documental destaca os registros de Congadas feitos durante a direção de Oneyda Alvarenga à frente da Discoteca, e homenagem à musicóloga, haja vista que neste ano se completa 40 anos de seu falecimento. “Reinados Negros no Brasil e a Discoteca Oneyda Alvarenga” fica aberta para visitação de 14 de novembro a 15 de dezembro de 2024, de terça a sexta, das 10h às 20h, e aos sábados e domingos, das 10h às 18h.

Cortejo Afro Kizomba, em São Paulo, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo (SP) 

A partir do desejo de difundir as ancestralidades pretas, o Cortejo Afro Kizomba desenvolve trabalhos durante o ano inteiro, como seminários, exposições, feiras, além dos espetáculos de teatro musicado, blocos e cortejos que contam histórias. A vertente musical consiste numa apresentação peculiar, que une dança, música e artes visuais e teatro em um mesmo espetáculo. Nas apresentações, o grupo ressalta a autenticidade das influências africanas em nossa música, promovendo experiências estéticas e releituras musicais inovadoras. A ideia do grupo é levar às comunidades tradições e heranças africanas que ajudaram a construir a identidade deste país. O Cortejo acontece no dia 24/11, às 13h.

Novembro Negro, no MUHCAB (Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira), no Rio de Janeiro (RJ)

  O Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), na Região Portuária do Rio de Janeiro, apresenta uma exposição dedicada a Tereza de Benguela, histórica líder quilombola conhecida por sua resistência contra a opressão colonial. A  mostra, exposta até o dia 8 de dezembro, reforça o legado de Tereza como símbolo de coragem e força das mulheres negras no Brasil. A entrada é gratuita. Além da exposição, o destaque é o Festival de Performances, em que artistas como Rona Neves, no dia 20/11, e André Vargas, no dia 23/11 se apresentam na área externa do museu. No dia 21/11, o grupo musical Ikê Melanina Jazz se apresenta pela primeira vez no Rio de Janeiro. 

Centro-Oeste

Mostra Multicultural Colettiva Preta (foto: divulgação)
Mostra Multicultural Colettiva Preta, em Aparecida de Goiânia (GO)

A mostra é direcionada para mulheres negras que atuam na cultura. A iniciativa é organizada em ações articuladas e integradas sendo elas, com ações educativas, de empreendedorismo cultural e impacto socioambiental, de memória e pertencimento da identidade e das africanidades brasileiras (rodas de conversa, oficinas de formação em arte e educação, mostra de afroempreendedores moda, beleza, autocuidado artesanato, artes visuais, culinária. O Evento acontece no dia 23 de novembro, das 9h às 20h. 

Solos Negros, em Brasília

O Projeto Solos Negros é a criação de encenações antirracista protagonizadas por estudantes da Licenciatura em Artes Cênicas que estimula a inclusão, protagonismo, liderança e inovação didática dos estudantes negros e negras. Colocando em prática a lei 10639/03, visto que a criação das cênicas afro centradas e os compartilhamentos teóricos e práticos sobre a cultura e história afro-brasileiras, no ensino fundamental e médio do DF e na sociedade como um todo são basilares. As apresentações acontecem entre os dias 20 e 24 de novembro, no Sesc Estação 504 Sul (DF). 

Programação do Quilombo Cultural Orum Aiyê, em Goiânia (GO)

O Quilombo Cultural Orum Aiyê promove uma programação que destaca a resistência e a cultura afro-brasileira em Goiânia. O evento inclui o espetáculo “Contos de Cativeiro”, uma montagem circense afro-diaspórica e uma apresentação do Bloco Tambores do Orum, o primeiro de percussão afro da cidade composto exclusivamente por pessoas negras. As atividades acontecem em Goiânia, de 20 a 24 de novembro.

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Coordenadora de jornalismo do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.