Foto: Eduardo Fernandes/CRL

Pesquisa do Nonada mostra que sustentabilidade e faturamento são desafios do mercado editorial

Existem poucos dados disponíveis sobre o perfil e a realidade das pessoas que atuam no mercado editorial do Rio Grande do Sul. Com esse cenário em mente, o Nonada realizou uma pesquisa aprofundada para entender o panorama do setor. Entre as descobertas, estão que 93% dos escritores levam a literatura como um trabalho paralelo, pois o ofício não remunera o suficiente para a manutenção financeira, e que 64,6% das editoras entrevistadas foram afetadas pelas enchentes de maio de 2024. Esses e outros dados estarão disponíveis no relatório da pesquisa, que pode ser acessado neste link.

O estudo ocorreu em três fases principais, envolvendo conversas com entidades do setor, pesquisa online com questionário, levantamento presencial com questionários online, além de campo durante a Feira do Livro de Porto Alegre. A meta inicial foi superada, totalizando 301 escritores, 65 editoras, 54 livrarias e 46 feiras literárias.  

As perguntas identificaram dados como o tempo de atuação, das empresas, o faturamento, o quadro de funcionários, as principais dificuldades de financiamento e de divulgação, as estratégias de inovação, a adoção de medidas de diversidade e os impactos causados pela enchente de 2024 no estado. 

Segundo, João Ricardo Xavier, presidente do Clube dos Editores do RS, a pesquisa mostra a força do mercado editorial gaúcho, mesmo com as dificuldades. Xavier aponta que o legado será na criação de políticas públicas: “É necessário que o poder público veja o setor como importante para economia e incentive cada vez mais tanto a abertura de livrarias quanto a criação de editoras, por exemplo.”

Para Rafael Gloria, organizador da pesquisa, os dados podem servir para diferentes profissionais que trabalham com a cadeia literária, assim como os gestores de órgãos e associações da área. “A pesquisa permite reconhecer, por exemplo, quem está conseguindo se manter no meio literário, com que apoios, de que forma, e quem ainda encontra barreiras para participar plenamente dessa cena”, reflete. “O levantamento também contribui para legitimar o trabalho de quem atua na cadeia literária, mostrando que literatura é trabalho — e que, como qualquer outro, precisa de estrutura, reconhecimento e investimento.”

A escrita ainda é um trabalho precário e desigual

A dificuldade da sustentabilidade do trabalho com a escrita foi um dos principais dados levantados pela pesquisa. Assim como em outros setores da indústria cultural, a pessoa que escreve precisa dominar uma série de outras funções, incluindo a divulgação e a negociação com editoras. Segundo o estudo, 93% das pessoas escritoras entrevistadas precisam complementar a renda com outras atividades profissionais, o que demonstra a dificuldade de sustento apenas com a escrita. As três principais fontes de renda mencionadas pelos escritores são docência, serviço público e aposentadoria, o que aponta para um perfil de autor financeiramente dependente de fontes mais estáveis. Isto é, a escrita acontece muitas vezes de forma paralela. 

O perfil revelado pela pesquisa também mostrou uma relação direta entre formação acadêmica e a atuação literária, em um contexto em que  quase dois terços dos autores e autoras possuem pós-graduação. Em termos de renda, o estudo demonstrou uma renda mensal de cinco salários mínimos, o que pode significar, por outro lado, que pessoas de baixa renda permanecem à margem do meio literário. A baixa rentabilidade do trabalho com a literatura influencia diretamente no perfil de quem escreve

No eixo de escritores, as identificações étnico-raciais da categoria demonstram uma predominância de pessoas brancas e evidenciam as desigualdades históricas de acesso e reconhecimento na literatura. A baixa representatividade de pessoas pardas (7,6%) e pretas (5,6%) reforça a necessidade de políticas que promovam a inclusão racial e ampliem oportunidades para escritores de diferentes origens étnico-raciais. 

Editoras na luta por sobrevivência

A pesquisa mostrou que a luta por sustentabilidade está em todos os setores, inclusive nas editoras. Entre os principais desafios apontados para manterem-se no mercado, está a distribuição (60%) evidenciando dificuldades logísticas e de alcance do público. Reflexo disso, uma boa parte das editoras têm poucos títulos por ano, o que reflete restrições em capacidade produtiva, recursos financeiros ou foco em nichos específicos. Aquelas que publicam mais de 15 títulos, geralmente estão localizadas nos grandes pólos do estado, como Porto Alegre, e associadas a eventos e feiras literárias. O estudo também mostra que 32,3% das editoras entrevistadas faturam menos de R$5 mil por mês, e apenas 18,5% faturam acima de R% 50 mil.

A relação entre clima e cadeia literária ficou evidente no estudo, já que 64,6% das editoras gaúchas foram afetadas pelas enchentes de maio de 2024. Esse dado reforça a necessidade de medidas preventivas e políticas de apoio. No entanto, a grande maioria diz que não recebeu auxílio governamental, o que evidencia uma lacuna significativa nas políticas públicas voltadas ao setor cultural em contextos da emergência climática.

Livrarias se reinventam criativamente

A maioria das livrarias entrevistadas pelo estudo têm mais de uma década de atuação. O setor, apontado como uma potencialidade no estado, representa uma forma de empreender no setor cultural. Mais do que apenas um ponto de vendas, elas atuam em funções culturais importantes, tornando-se locais de encontro, debate e troca de experiências entre leitores, autores e a comunidade literária. Segundo o estudo, apesar da experiência em tempo de atuação (64,8% existem há mais de 10 anos), apenas 28% das livrarias entrevistadas dizem faturar mais de R$ 50 mil por mês. E 40,7% das livrarias consideram a concorrência como o principal desafio.

Para se diferenciar dos grandes varejos onlines, muitas livrarias investem em curadoria de acervos especializados, criação de comunidades de leitores e experiências presenciais. A proposta de ser um espaço cultural para as cidades em que se localizam faz parte da estratégia relatada pelos entrevistados para se consolidar diante do público. Embora os eventos sejam importantes, eles não representam uma porcentagem significativa da receita dos estabelecimentos, 33,3%.

As cidades de Porto Alegre, Santa Maria e Caxias do Sul se destacam como as mais citadas no levantamento, reflexo de sua maior densidade populacional, infraestrutura e oferta de eventos culturais. O estudo também sugere que cidades menores podem ter uma carência de livrarias, o que abre possibilidades para iniciativas como eventos itinerantes e parcerias com escolas e bibliotecas locais.

O levantamento apontou também que 79,6% das livrarias trabalham com editoras que publicam obras focadas em questões raciais, de gênero ou sociais, evidenciando que a maioria das livrarias está alinhada com editoras que promovem inclusão, reforçando seu papel como agentes de transformação cultural e social.

Feiras literárias são tradição, enfrentam obstáculos

A maioria das feiras literárias do Rio Grande do Sul entre as 46 participantes da pesquisa tem uma tradição consolidada, com grande parte delas registrando mais de 15 edições. Além disso, a maioria das feiras é realizada anualmente, demonstrando uma forte regularidade no calendário cultural dos municípios.

Embora presentes no calendário do estado, a falta de patrocinadores é apontada como o principal obstáculo financeiro por 69,6% dos organizadores, seguida pela burocracia nas leis de incentivo (45,7%). Esse cenário indica que o financiamento privado ainda é pouco explorado ou de difícil acesso, enquanto os mecanismos públicos apresentam entraves burocráticos. Apesar dos desafios, o levantamento indica que existe uma resiliência do setor, uma vez que 63,1% das feiras literárias gaúchas já realizaram mais de 15 edições.

O retrato das feiras mostra outras características interessantes, como o fato de a maioria ocorrer ao ar livre e a predominância de gestão ser do poder público. Além disso, um número considerável de feiras literárias gaúchas demonstrou preocupação com eventos climáticos extremos e relatou já ter interrompido a programação devido às preocupações climáticas. As enchentes de maio de 2024 impactaram diretamente quase metade das feiras literárias do Rio Grande do Sul, o que demonstra como esses fenômenos já afetam significativamente a cena literária do estado.

O projeto Mapeando a Cena Literária do Rio Grande do Sul é uma realização da Associação Cultural Nonada Jornalismo, com financiamento do Ministério da Cultura e da Secretaria de Estado da Cultura do RS, via Lei Paulo Gustavo, e apoio institucional do Instituto Estadual do Livro, da Associação Nacional de Livrarias, da Câmara Rio-Grandense do Livro, do Clube dos Editores, da AGES e do portal Literatura RS. A pesquisa foi construída em conjunto com as entidades e especialistas da área

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