Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Por que o livro é tão caro no Brasil?

Em uma livraria, ao segurar um livro, você consegue imaginar que caminho esse objeto percorreu até chegar em suas mãos? O trajeto depende do livro, da editora, da livraria, e da cidade em que você está, mas uma coisa é certa: foi um longo caminho, repleto de etapas, para ele chegar até você. Em um único livro, há diversos profissionais envolvidos para além do autor: há quem edite, revise, ilustre, diagrame, divulgue, imprima, negocia, venda. Há também uma série de serviços essenciais: aquisição de direitos autoriais, compra do papel, prova de cor, teste de impressão, consignação da livraria, preço da gasolina de transporte, e por aí vai. Então, voltamos à você, em 2025, olhando um livro que lhe interessou na livraria e pensando “quando foi que R$53,25 se tornou o preço médio no Brasil?”

O preço do livro é resultado de uma série de fatores, mas a preocupação com o valor é uma questão debatida há décadas no Brasil. Em 2024, a pesquisa Panorama do Consumo de Livros revelou que apenas 16% dos brasileiros acima de 18 anos compram livros, sendo que o preço um dos principais motivos. Quando em 2006, durante o Ministério comandado por Gilberto Gil, o Plano Nacional do Livro e Leitura foi criado, já se mencionava que o preço do livro precisava baixar e ser mais acessível. O problema não é novo, e não são só os leitores que sofrem com isso: editores, livreiros e entidades também estão engajadas para melhorar esse cenário. 

Em um intervalo de quase duas décadas, a curva de brasileiros que leem só despencou. Um período atípico foi a pandemia em que o varejo de livros experimentou um crescimento significativo. Entre 2017 e 2022, houve um aumento de 38%, chegando ao pico de 58,6 milhões livros vendidos, segundo a Nielsen BookScan. É também impossível falar de preço de livros sem mencionar a expansão do varejo online, cenário em que livrarias físicas passaram a ter mais desafios. 

As lojas de livros exclusivamente virtuais, como Amazon ou Mercado Livre, superaram o faturamento de livrarias em geral. Em 2022, as vendas para o e-commerce representaram 35% da receita das editoras de livros, já as livrarias em geral ficaram abaixo, com 27%. 

Não existem respostas únicas para o que se fazer diante desse cenário, mas especialistas ouvidos pelo Nonada acreditam que há pelo menos três caminhos: formação de público leitor, políticas públicas de regulação e fortalecimento do mercado editorial e valorização do livro no imaginário social. Em 2025, quem ainda tem o ímpeto de começar uma editora ou uma livraria de bairro?

Diretora editorial e sócia fundadora da Fósforo, Rita Mattar atua no mercado editorial há mais de uma década. Em 2021, mesmo diante do cenário pandêmico e do governo Bolsonaro, ela e outros dois editores experientes, Fernanda Diamant e Luís Francisco Carvalho Filho, se juntaram para lançar a recente, mas já celebrada Fósforo. “Achávamos que o Brasil precisava ter mais editoras, ter mais livros fazendo contrapontos”, explica Rita. 

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Durante seis anos, Rita atuou em diversas funções no maior selo editorial brasileira, a Companhia das Letras. “O discurso de que o livro é caro existe desde quando entrei no mercado, em 2011. Arrisco dizer que ele está aí há muito mais tempo do que isso”, reflete. A editora reforça que é uma afirmação muito válida, mas que precisa ser contextualizada em um país como o Brasil, erguido sobre desigualdades sócio-econômicas. “Dizer que ‘o livro é caro’ é tanto certo quanto errado. Depende muito de quem está falando”, reflete Rita. “Vivemos em um país muito desigual, então ninguém é insensível a ponto de achar que o livro não é caro para muita gente. Só que a frase também aparece na boca de muitas pessoas que não estão nessa situação.”

Pensando além do sintoma

O processo de produção física dos livros evidencia um mercado que ainda precisa muito para ser considerado forte, a ponto de tornar-se acessível aos leitores. O custo de imprimir um livro varia de acordo com fatores como a tiragem – produzir mil livros ou 500 sempre interfere no preço unitário, e também no preço do papel, cada vez mais caro no Brasil. O país tem o chamado “papel dolarizado”, o que significa que a variação da moeda estrangeira influencia diretamente no preço final. Em 2022, a elevação média da matéria-prima chegou a 65% em apenas alguns meses. Nos últimos anos, as altas também incidiram sobre o valor papel cartão — usado nas capas, tintas e chapas nas gráficas.

O contexto mostra que não está simples para nenhum lado da cadeia dos livros. “Nenhum editor quer pôr o preço tal como ele tá hoje em dia. Esse valor é feito do menor valor possível para a subsistência das editoras”, explica Rita. Para a editora, não se pode dissociar a discussão sobre o público leitor. São curvas que não se encontram: menos leitores, mais livros caros para a maior parte da população. “No fundo mesmo, só existe uma discussão que é: como formar leitores? Podemos falar sobre o custo dos insumos, mas nada resolve se o público leitor continuar diminuindo. Estamos na espiral errada em que o custo do livro vai sempre subir. Falar sobre o preço do livro sem falar de aumento de público leitor é abordar só o sintoma”, reflete. 

Assim como em 2006, o preço do livro é um dos cinco eixos norteadores do Novo Plano do Livro e Leitura a ser lançado neste ano pelo Ministério da Cultura. Jéferson Assumção, diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do MinC, defende a necessidade de adentrar a história do Brasil para lidar com a questão do preço do livro. “Como diz Millôr Fernandes, o Brasil tem um longo passado pela frente. O desenvolvimento do livro e da leitura no Brasil é uma questão de reparação histórica, porque são populações que foram deixadas à margem do acesso ao livro, da leitura, do sistema de proteção pública.” 

Muito se fala sobre o leitor, pessoa física, mas pouco se menciona como outros agentes podem combater o sintoma do encarecimento do livro. É o caso da formação de acervos em bibliotecas espalhadas pelo Brasil. Segundo o MinC, há milhares de bibliotecas públicas comunitárias no Brasil como formas de ampliar o acesso e consumo. O consumo pessoal é apenas uma das frentes a serem colocadas em perspectiva. “O preço do livro decorre também da valorização social do livro. Precisamos ter mais, uma ampliação do acesso, pois quanto mais livros nós tivermos circulando, mais isso vai incidir no mercado como um todo”, defende.

Um exemplo de política pública realizada é a ampliação do Programa Nacional do Livro Didático, já aplicado em escolas, para bibliotecas do país. Outro é a parceria realizada entre o MinC e o Ministério das Cidades, em setembro de 2024, que tornou obrigatória a construção de bibliotecas no programa Minha Casa, Minha Vida. “O desenvolvimento da economia do livro não é um passe de mágica. A gente precisa ter essa ponta, esse acesso a essa compra de livros para bibliotecas, a formação de acervos”, explica Jeferson. Porém, as compras governamentais ainda representam pouco percentualmente sobre as receitas das editoras. No caso da Fósforo, apenas X% da receita vêm de incentivos governamentais. 

A luta das pequenas 

A editora de textos e livreira Caroline Fernandes sempre trabalhou com literatura, mas distante da parte de comercialização. Ela editava textos até que em 2022 decidiu aventurar-se pelo mercado editorial ao abrir a própria livraria, a Pulsa. O desejo que trabalhar no setor partiu da percepção de Carol que ainda haviam poucos lugares para encontrar uma curadoria literária especializada em autores LGBTQIAP+. Foi, então, que começou a Pulsa, uma livraria itinerante. A primeira versão da livraria funcionava num bar para lésbicas, bis, trans e queers, um espaço que antes abrigava um sex shop. 

Biblioteca Popular do Coque, em Pernambuco (Foto: Tarcísio Camêlo/acervo pessoal)

“Assim como a maioria das pessoas dos lares brasileiros, eu demorei muito a ter acesso a leituras. Minha mãe era faxineira, meu pai motorista. Eu demorei muito para me tornar leitora. E demorei muito mais ainda para ler histórias como a minha, sobre a minha sexualidade”, conta. Em três anos de existência, Caroline percebeu que os desafios para a sustentabilidade do negócio eram imensos. Em 2023, ela desembarcou no Rio de Janeiro e levou junto o seu projeto de livraria. Foi quando também criou um clube de leitura, que é presencial, mensal e gratuito. 

“De cara, percebi que as pessoas acham caro pagar 80 reais, mas para pagar em  2 ou 3 drinks não. Porque, atualmente, qualquer saída em bar é mais ou menos esse valor”, desabafa. “Em um livro de 100 reais, nós ficamos com 30 no máximo, isso dependendo da forma de pagamento, porque se for na maquininha é um valor menor ainda”, relata. “Se eu trabalho com editora independentes, é por pura convicção política, porque se fosse por dinheiro não teria como. Às vezes eu fico com 9 reais na venda de um livro, então vai se tornando insustentável. Não é coincidência que diminui o número de leitores e aumenta o preço de livros”

Em 2024, a Pulsa precisou aderir a uma campanha de financiamento para seguir seu caminho. A livreira abriu um financiamento coletivo, encerrado em janeiro de 2025, para conseguir fundos e finalmente realizar o sonho de ter um espaço fixo para a Pulsa. Mais de 500 pessoas apoiaram a livraria, que conseguiu arrecadar o valor para recomeçar mais uma vez. O apoio a uma livraria queer mostra, para Caroline, que as pessoas ainda acreditam no livro. “O livro é um objeto que vai durar para sempre, que você pode passar para outras gerações. Então, o caro também é relativo”, reflete. Apesar das dificuldades de manutenção,  “o resultado da campanha me deu uma esperança, de que é muito forte o poder de rede das pessoas.”

O combate ao monopólio

A questão da sobrevivência das livrarias, em um cenário de descontos agressivos dos varejos digitais, tem levado debates sobre a necessidade de políticas públicas para o setor. Desde 2024, a Lei Cortez, já aprovada na Comissão de Educação do Senado, aguarda análise da Câmara dos Deputados no plenário.  Até o fechamento desta reportagem. O projeto cria a política nacional de fixação de preço dos livros em todos os seus formatos, incluindo os digitais. Chamada de “Lei do Preço de Capa”, a proposta estabelece que durante os doze primeiros meses após o lançamento, os varejistas só poderão dar um desconto máximo de 10% sobre o preço estabelecido inicialmente pela editora. 

O objetivo é ampliar a oferta, estimulando um maior número de pontos de venda e tornando a concorrência mais justa. O controle de preços já é praticado em diversos países, como França e Alemanha, como forma de estimular a diversidade cultural e proteger as pequenas livrarias, que não conseguem igualar os descontos praticados por grandes plataformas como a Amazon. O texto foi aprovado na Comissão de Educação, de forma definitiva, no dia 29 de outubro de 2024, o Dia Nacional do livro,  como lembrou a relatora e criadora do senadora Teresa Leitão (PT), que o defende de 2015.

Foto: Eduardo Fernandes/CRL

ANL é uma das entidades a frente da defesa da Lei Cortez no Brasil. Segundo o presidente e editor Alexandre Martins Fontes, a medida beneficiaria toda a indústria. “A Lei Cortez representa um avanço fundamental para toda a indústria editorial brasileira, para todas as livrarias e editoras – independentemente de seu tamanho. A lei impede que grandes redes e marketplaces pratiquem descontos predatórios que inviabilizam a concorrência saudável.” Alexandre, que é também Livreiro da Martins Fontes, em São Paulo, defende que a aprovação da Lei “a luta mais importante de toda a indústria editorial brasileira”. O resultado, segundo ele, é o aumento da bibliodiversidade e a proteção de livrarias e editoras.

“O livro não é um produto qualquer”

O combate aos monopólios é uma tendência em países que já acordaram para a centralidade do livro.  Em 1981, a França adotou a chamada Lei Lang, que congela os descontos de lançamento em até 5% por dois anos. O resultado da implementação é considerado um ‘orgulho nacional’ e proporcionou a formação de uma rede densa de livrarias independentes, mais de 3.000 pelo país, e de um acesso democratizado. Outros países como México, Japão e Coreia do Sul também adotaram medidas semelhantes. 

Na Alemanha, com o sistema de “Buchpreisbindung” (preço fixo, em alemão), os livros lançados devem ser vendidos pelo mesmo preço em todos os lugares, seja livraria, farmácia, supermercado ou online. “Por que na Alemanha a Amazon é responsável por apenas 18% dos livros comercializados no país enquanto no Brasil ela representa mais de 50% do mercado livreiro?”, reflete.

Hoje, no Brasil, os descontos chegam até a 50% em varejos online, tornando a competição praticamente inexistente para livrarias de pequeno porte. “Hoje, nós caminhamos para o monopólio. Nesse cenário, o editor terá um único cliente. Esse cliente quem vai ditar o que será vendido – priorizar best-sellers e lançamentos comerciais em detrimento de obras de menor apelo mercadológico, como literatura independente, acadêmica ou de nicho”, exemplifica Alexandre.

Foto: Joel Vargas / PMPA

A questão não é um consenso entre editores, por exemplo. No Clube dos Editores do Rio Grande do Sul, o presidente João Zouk explica que há quem seja contra e quem seja a favor de medidas como essa. Pessoalmente, ele acredita que a medida beneficiaria o mercado e ajudaria a baratear o livro. O editor atua há mais de duas décadas no mercado editorial e é responsável pela Zouk, Editora independente em Porto Alegre com livros voltados para Humanidades, Crítica literária, Teoria da arte, Literatura brasileira contemporânea e Educação. “O Mercado editorial é muito heterogêneo, tem grandes empresas, empresas multinacionais, editoras independentes. Cada uma tem uma realidade diferente.”

Se a Lei Cortez for aprovada, uma livraria de bairro de uma cidade do interior venderia o livro de lançamento pelo mesmo preço da Amazon. Jeferson também concorda: “A gente tem que tratar o livro de uma maneira especial. O livro é um produto de excepcionalidade. Ele tem uma importância cultural, educacional. Não é qualquer produto”, afirma. 

Jeferson lembra que as livrarias não são apenas lojas, pontos de vendas, mas são pontos de cultura. “Elas ativam o desejo pelo livro”, reforça. Além disso, a pesquisa Panorama do Consumo de Livros (2025) mostrou que 49% dos consumidores preferem comprar em livrarias físicas, enquanto 44% preferem o on-line, com o preço equivalente. Para Sevani Matos – Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Lei Cortez fomenta também esses espaços culturais: “Ela cria condições para que esses estabelecimentos sobrevivam e continuem a oferecer um atendimento especializado, um acervo diversificado e um ambiente que fomente a leitura.” 

Estratégias de fortalecimento do ecossistema do livro também aparecem em outros países. Rita Mattar busca exemplos em outros países para inspirar as iniciativas coletivas que encabeça aqui. Uma inspiração é a Câmara Colombiana das Editoras Independentes e também a rede formada na Espanha, em que as editoras se organizam para promover os livros de forma conjunta. Essas estratégias de não caminhar só no mercado editorial podem ser consideradas como formas para navegar em um cenário desafiador. “Os editores têm conversado mais, unido esforços. Existe uma vontade de fazer aumentar o público leitor, mas é um trabalho a longo prazo e que não está começando agora.”

Uma estratégia que se popularizou nos últimos anos foi o modelo de assinatura de livros e clubes de leitura. Em 2022, a Fósforo lançou a coleção e clube de assinatura Círculo de Poemas, que até o momento já publicou mais de 70 livros. ‘Tínhamos medo de depender de venda exclusiva de livros de poesia nas livrarias, mas a surpresa boa é que as livrarias vendem melhor do que imaginávamos inicialmente. As assinaturas continuam sendo nossa melhor fonte de entrada, mas temos percebido que as vendas de poesia estão”, conta. 

Como incentivar a leitura?
Foto: Anselmo Cunha/Nonada

“Fala-se muito de livro e pouco de leitura, como se o problema estivesse no produto”, reflete Rita. A questão do preço vai muito além dos insumos, da produção, dos impostos. É preciso pensar nos contextos de leitura. Jeferson acredita que uma forma de incentivar a adesão ao livro é aproximando dos festejos. A pesquisa “Consumo de Cultura nas Capitais” (2025) mostra que a associação entre a leitura e eventos culturais auxilia na divulgação e, consequentemente, aquisição de livros pela população.

“No Rio Grande do Sul, a Feira do Livro fica à frente das festas populares.  Ou seja, a gente tem que cada vez mais articular o livro com as festas populares. Em Minas Gerais tem inúmeras festas literárias, na Bahia também, uma mobilização e própria articulação do livro. As festas literárias são importantes, porque movimentam a economia local, levam editores e escritores para circular. Isso tudo é extremamente benéfico para o mercado e consequentemente para o preço do livro.” 

Os especialistas acreditam também que a relação com a literatura precisa assumir novos espaços de destaque no imaginário coletivo, novas relações afetivas com a população.  “A desvalorização do livro também está no imaginário coletivo. As pessoas veem o livro como uma utilidade, e menos como um passatempo, algo que traz vivências e coisas novas. Nem toda leitura precisa ser revolucionária”, defende João Zouk. 

Em 2024, durante a Bienal do Livro de SP foi assinada a regulamentação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), que permitirá o desenvolvimento de programas que ampliem o acesso ao livro e à leitura.  Além de formar leitores, Jeferson defende que o Brasil precisa formar famílias de leitores. “É também uma questão de renda, ou seja, quanto mais a gente tiver uma recuperação da economia no país, uma capacidade dos brasileiros de terem condições de ir ao cinema, de ir a um show e de comprar livros, por consequência.” As estratégias para colocar o livro em um lugar de destaque no imaginário coletivo são várias, entre elas a difusão de que em um sociedade cada vez mais ansiosa, brain rot, esgotada mentalmente, a tecnologia do papel e da boa literatura é, além de festa, educação, e cultura, uma forma eficaz de saúde. 

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Coordenadora de jornalismo do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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