A noite do protagonismo feminino e negro no palco do Opinião

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Fabiane Cristina Rocha (Fyah) começou a cantar aos 15 anos de idade em bares na cidade de Porto Alegre

Texto: Iarema Soares
Fotos: Louise Soares

A grande maioria dos shows de rap que vieram para Porto Alegre este ano foi protagonizado por homens. Os homens eram responsáveis por abrirem a apresentação dos MC’s principais, que também eram homens. O movimento hip-hop é machista justamente por estar inserido em uma sociedade que tem enraizada a cultura do estupro, de culpabilização da vítima e que coloca a figura e contribuição femininas como coadjuvante, quando ela não é, simplesmente, invisibilizada da história.

Na contramão desse comportamento, no último dia 12, o Opinião recebeu no palco três artistas, negras e combativas que levaram, aos poucos presentes no local, mensagens de união entre mulheres, de injustiça racial, de violência de gênero e de violência policial.

O público, composto por uma maioria feminina, pôde presenciar a gaúcha, Fyah Rocha, em estado avançado da gestação apresentar três músicas que continham um flow que misturava duas vertentes: o reggae e o rap. A sonoridade da artista, que ornou com a das demais que vieram na sequência, deve-se ao seu histórico. Fyah começou a carreira fazendo couvers de artistas e bandas de reggae, com o lançamento do primeiro EP, Deixa Eu Quieta (2012), a ela intersecciona com mais intensidade os dois gêneros. Fyah foi acompanhada pelo deejay Jorge Cuts.

 

Com o afro alaranjado, chegando no talento

Dedé 3D, dj da Tássia Reis, deu o tom do show que seria apresentado logo menos quando estourou nas caixas do Opinião a música “Sorry”, do álbum Lemonade, da Beyoncé. A rapper nascida em Jacareí, São Paulo, envolveu-se com o movimento Hip Hop na adolescência, quando começou a fazer parte de grupos de dança urbana, a partir daí ela começou a escrever letras e a pensar em arranjos para suas próprias composições.

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Nas letras e nos discursos, Tássia não deixa de falar sobre machismo e racismo

No show, a artista passeou por músicas do primeiro EP chamado Tássia Reis (2014). Colocou na sequência as tracks “Desapegada”, “Meu Rapjazz”, “Good Trip” e “Primavera”. O maior hit da cantora não ficou de fora e ”No seu radinho” foi cantada a capella por um coro forte, feminino e feminista que estava ali presente. Esse primeiro momento do show, e da carreira da Tássia, reservou aos fãs os beats e letras mais suaves que a cantora tem.

Em meio a brincadeiras, risadas e coreografia ensaiada com a backing vocal, Lívia Máfrica, Tássia endureceu o discurso quando parafraseou Mário Quintana e disse: “Machistas e racistas passarão, mas eu passarinho”. Essa frase foi uma espécie de turning point do show que já estava empolgante. A partir daí, foram apresentadas algumas canções do novo trabalho.

O EP Outra Esfera (2016) foi lançado em setembro e surgiu nas plataformas de streaming como um brado que estava preso, há muito tempo, na garganta da artista. Como mulher, negra e vinda da periferia, Tássia canta a verdade e a vida vivida por ela. As letras falam sobre o machismo, a repressão policial e o racismo e os beats flutuam entre a agressividade dos sons secos à melosidade do samba cadenciado. As músicas mais fortes deste novo trabalho foram justamente as apresentadas neste segundo, e contagiante, momento do show.

Logo após cantar “Afrontamento”, a cantora disse que, na infância, ela costumava tirar boas notas na escola e sempre que mostrava isso ao pai ele não demonstrava muito entusiasmo com o desempenho dela. No meio da história, Tássia foi interrompida por uma fã que aparentemente, não entendeu a ligação entre a música recém cantada e o que a atitude do pai da rapper representava. “O teu A não é garantia de nada”, disse Tássia reproduzindo as palavras do próprio pai.

Fato. O esforço de uma pessoa negra praticamente não tem valor, visto que o racismo é estrutural e diversos mecanismos na macroesfera impedem a ascensão social da negritude brasileira. […] Na sociedade machista\ As oportunidades são racistas\ São dois pontos a menos pra mim\ É difícil jogar quando as regras\ Servem pra decretar o meu fim. A PEC 241, que congela por 20 anos os investimentos nas áreas de Saúde e Educação aqui no Brasil, também foi alvo de críticas por parte da artista.  

Em diversos momentos do espetáculo Tássia mostrou a voz potente, que às vezes ficava escondida atrás da rimas de impacto. Entretanto, em “Se Avexe Não”, ela mostrou com maestria, em um misto de emoção, melancolia e vontade de viver, que a transição entre tons baixos e altos é muito fácil, ao menos para ela. Ao final, com o punho fechado e levantado, apresentou a música “Ouça-me”, afirmando que a revolução será crespa doa a quem doer.

 

This, right here, is poetry

A cortina subiu e todos ficaram no aguardo da terceira e última apresentação da noite. Enquanto Akua Naru não entrava no palco, a banda montada para acompanhar a rapper aqui no Brasil mostrou que muito entrosamento e musicalidade estavam por vir. O grupo é formado exclusivamente por brasileiros, e, durante os solos, Akua mostrou-se em êxtase com a formação. Admiração que pôde ser percebida pelo sorriso e cada aplauso da artista em direção aos parceiros de turnê. 

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Akua deu um aula de simpatia no Opinião, passando espontaneidade em cima do palco

Akua é multi. Nascida nos Estados Unidos e radicada na Alemanha. Os elementos que a auxiliam a compor suas músicas feitas bebem de diversas fontes, como ela mesma afirmou. As influências vêm dos lugares por onde passou, das pessoas que conheceu e das músicas que já ouviu. Todos esses ingredientes foram somados à rica poesia produzida pela artista, poesia essa que foi musicada e virou rap, virou rapjazz.

O pequeno público, que já estava agitado com a apresentação da Tássia Reis, entrou em estado de ebulição com Akua. Alguns cantavam as músicas que foram mostradas no show, outros apegavam-se mais aos refrões ou frases que a cantora pedia para serem reproduzidos com mais força e entusiasmo. Entretanto, a simpatia, interação, as inúmeras tentativas de falar frases longas em português ou gírias locais conquistaram a parte da plateia que tinha a rapper como uma incógnita.

Akua sentou na beirada do palco, cumprimentou fãs durante o show e, em diversos momentos, pediu para que as pessoas colaborassem com a sonoridade das canções com o bater palmas ou estalar de dedos. “A energia da música comunica mais do que a própria língua e espero que a minha música faça isso aqui hoje”, disse ela. O desejo da rapper se realizou, porque os som pensando por ela levou a plateia a essa espécie de comunhão e irmandade, mas, ao mesmo tempo que a música dela une, também aponta e escancara a disparidade racial.

Akua lembrou que, nos Estados Unidos, pessoas são mortas por serem negras. Assim como Tássia fez em sua apresentação, a estadunidense, no meio do palco, com o punho levantado afirmou: “Queremos justiça agora. Precisamos de justiça agora. O agora é tudo o que temos.”

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Apaixonada por literatura. Ama escrever sobre o protagonismo negro nos mais diversos campos de conhecimento.
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