É de extrema importância que existam filmes como o novo Mulher-Maravilha. O longa foi a maior bilheteria da história para uma diretora mulher (Patty Jenkins, uma das diretoras responsáveis pela ótima série The Killing) e trouxe uma nova perspectiva aos filmes de super-heróis. É revigorante ver mulheres fortes e inteligentes protagonizando cenas de ação, mas, ainda assim, a obra não é uma grande ruptura no que diz respeito ao status quo.
No filme, Diana (Gal Gadot), a princesa das Amazonas, foi criada e treinada pelas mulheres de Themyscira para ser uma das melhores. Filha da rainha, ela se encanta com as histórias sobre sua casa e o mundo dos homens desde pequena. Quando Steve Trevor entra, sem querer, no mundo das mulheres guerreiras, ela decide ir com o rapaz para tentar parar a guerra ao enfrentar o deus Ares, conhecido por causar conflito entre os humanos e tentar desacreditar a criação de Zeus.
O filme tinha tudo para ser um soco no estômago do machismo em questão de representatividade. Temos várias mulheres poderosas? Temos. Temos uma chance de salvar o dia? Temos. Temos uma personagem inspiradora e protagonista do longa? Temos.
Dá certo? Não totalmente. E vou dizer os motivos.
O estereótipo de “mulher rodeada de homens”
Mulher-Maravilha repete a velha fórmula do squad, um grupo de pessoas que se une com um objetivo comum. Além da secretária de Trevor, Diana não interage com nenhuma mulher fora de Themyscira, deixando bem claro que o filme quis ser representativo só no mundo das Amazonas.
O fato de ser ambientado na Primeira Guerra Mundial não isenta o filme de colocar poucas mulheres no “mundo dos homens”, já que cada vez mais sabe-se das diversas presenças femininas nos fronts e hospitais durante as grandes guerras mundiais.
O estereótipo é nocivo em questões de representatividade porque não mostra mulheres apoiando umas às outras, não mostra mulheres em posições de confiança para outras mulheres. E no que diz respeito ao roteiro, é um pouco sem sentido: por que Diana só confiaria em homens tendo sido alertada a vida inteira sobre o perigo que eles representavam?
A relação de Diana com Steve
Em primeiro lugar, é um pouco cansativo o amor romântico ser algo tão central em Mulher-Maravilha. Mesmo que filmes de heróis protagonizados por homens também tenham interesses amorosos, nesse, o amor por Steve Trevor (Chris Pine) torna-se inexplicavelmente intenso no último ato e sua existência tenta deixar em segundo plano as motivações da protagonista.
Além disso, o paternalismo de Trevor é gritante. Os homens se valem do desconhecimento de Diana sobre o “mundo dos homens” para tratá-la como se fosse uma criança e Travor representa o “homão” que a explica sobre a realidade em que ela vive. Ele constantemente coloca casacos sobre ela, compra sorvete para ela, acha que vai ensiná-la a dançar (quando ela alega que já sabia) e o pior: faz sexo com ela mesmo não acreditando em seus reais propósitos no mundo dos homens. Ela CONFIA nele e, depois disso, ele fala dela pelas costas aos amigos homens em um tom de piada como se ela estivesse fora de si ao acreditar que encontraria Ares.
Tal postura seria bastante comum devido ao paternalismo que muitos homens tentam exercer sobre as mulheres (afinal, no último mês, quantos homens quiseram explicar para você coisas que você supostamente não entendeu ou se meteram na sua vida sem que você sequer desse espaço para eles?), mas no longa-metragem, a atitude é retratada como parte de um romance nascente.
Infantilização de Diana
Diana é uma mulher extremamente inteligente, com diversas leituras e conhecimentos que vieram de um mundo composto por mulheres. Mas no “mundo dos homens” ela é infantilizada apesar de sua extrema inteligência. Fora os desrespeitos já citados a partir de sua relação com Trevor, ela também fica toda emocionada ao ver um bebê e com um sorvete de casquinha. Esses elementos contribuem para que sua imagem nesse “mundo dos homens” seja como a de uma menina, e sabe-se o quão problemática é essa constante tentativa de infantilizar mulheres para que elas sejam mais dóceis no mundo machista que as rodeia. Não cola mais.
A audiência
Acredito que o filme não transforme Diana em um ícone de empoderamento e independência feminina porque precisa se apresentar como palatável para uma audiência ainda bastante masculina. Infelizmente, é difícil que um filme vá lucrar se mostrando extremamente revolucionário em questões de feminismo pois boa parte dos homens vai se sentir incomodado em ceder espaço para heroínas mulheres. Então a solução é fazer um filme nível easy, com uma história envolvente e papéis masculinos importantes – pois muitos egos não aguentariam ver apenas mulheres salvando o mundo. É a forma que o filme encontra de contornar o medo de ser criticado por ser “chato” ou “politicamente correto” e reduz bastante o seu nível de ousadia.
Mas enfim, existem méritos?
Com certeza. Diferente do mundo dos homens, Themyscira – o mundo das Amazonas – é um retrato ideal de força e igualdade, e aquele ambiente de mulheres amigas e que confiam umas nas outras é um respiro dentro de filmes que nos retratam apenas como pessoas que competem entre si. Além disso, é significativa o que a entrada de homens naquele mundo particular significa: problemas.
Sobre a relação de Diana e Steve, o único mérito que vejo é em ela não acatar suas ordens e fazer o que quer, não sendo submissa em nenhuma parte da projeção (o momento em que ela enfrenta um General é hilário).
O carisma dos atores também faz um importantíssimo papel. Gal Gadot é talentosa e tenta deixar Diana menos unidimensional. A Mulher-Maravilha não precisa ocupar o mundo dos homens para ser forte, destemida, corajosa, inteligente, curiosa e estudada. Ela já o é, e tais habilidades apenas se destacam em um mundo tomado pela mediocridade masculina. Também é interessante ver cenas de lutas e explosões – tão comumente representadas por homens – protagonizadas por uma heroína forte e que sabe lutar.
Ou seja, não há como negar que Mulher-Maravilha é um progresso. Mas parece ser aquele progresso cauteloso, feito com medo de errar e que avança muito pouco perto do que uma audiência de mulheres espera. Mas o que importa é que ele faz a máquina andar.