O Nonada volta hoje com a coluna “Recortes”, que traz o olhar dos integrantes do coletivo sobre diferentes facetas da cultura e das produções artísticas.
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Mais um importante projeto de pesquisa e documentação da música gaúcha acaba de ser lançado. Gaúcha sim, mas não tradicionalista. O grupo de músicos e pesquisadores de percussão Alabê Ôni anunciou o projeto Berço do Batuque no RS: Mestre Borel – Toques e Cantos da Nação Oyó-Idjexá. O projeto, que venceu o 4ª Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras, tem como foco o legado musical de Mestre Borel, principal babalorixá do Batuque no RS, que se constituiu como o principal guardião da memória da Nação Oyó Idjexá. Borel viveu uma longa de viada (103 anos) de dedicação à cultura. Filho de uma nigeriana, ele foi carnavalesco, pesquisador da cultura afro no Brasil, escritor e alabê (tocador de tambor) de tradição, além de ser fluente em iorubá.
Com auxílio da historiadora Leticia Bauer, o projeto está organizando o acervo de Borel, e todo o processo está sendo documentado no blog. O grupo também vai produzir um show a ser transmitido ao vivo pela internet em outubro e um CD, que será distribuído gratuitamente para pontos de cultura, comunidades quilombolas, instituições ligadas ao movimento negro, escolas e universidades interessadas no conhecimento Oyó-Idjexá.
Quem quiser acompanhar os resultados da pesquisa, com entrevistas e vídeos históricos, pode ficar de olho no canal do projeto no Youtube.
Tradicionalismo revisto
Já que a Semana Farroupilha está cada vez mais perto, vale muito relembrar o documentário Manifesto Porongos, lançado em novembro de 2016 pelo Rafuagi. O vídeo faz uma retomada histórica da chacina dos lanceiros negros na Revolução Farroupilha, situa os pontos quilombolas de Porto Alegre na atualidade e conta um pouco da importância da ocupação Lanceiros Negros. Pra terminar, tem um clipe do grupo, com uma versão atualizada e justa do Hino do Rio Grande do Sul. “Não clamamos por vingança, mas queremos nossas terras (quilombolas).
E que, tenham vergonha, e não mascarem a sua guerra”. Eu morri de vergonha de já ter cantado o hino original no estádio de futebol algum dia.
Universo guarani
Foi lançado nesta semana o documentário Nhemonguetá, rodado em aldeias Mbyá-Guarani do RS. “O cultivo das sementes tradicionais, as experiências na mata, a revelação do nome da pessoa são aprendizados entoados pelas crianças nos mborai, canto-dança. Estas práticas rituais são reconhecidas como estratégias de resistência, em que as crianças Guarani se fortalecem na contemporaneidade para seguir o caminho apontado por Nhanderu”, diz a sinopse. O evento lotou o Cine Bancários, com apresentações artísticas dos guaranis. Agora, a equipe busca novas salas para mais exibições. Vale lembrar que o filme foi financiado pelo Fumproarte. A prefeitura anunciou que em 2017 não vai ter edital. Imagina quantos projetos importantes como esse vão deixar de ser feitos esse ano?
Atenção, mulheres cineastas
As inscrições já estão abertas para as mulheres que queiram inscrever seus filmes na Mostra Ela na Tela, que ocorre entre 21 e 25 de outubro. Podem se inscrever obras dirigidas e co-protagonizados por mulheres, com duração máxima de 25 minutos, aqui neste link. “Uma das diferenças desta edição para a anterior, é que vamos aceitar filmes co-protagonizados por homens. Percebemos durante a seleção de filmes em 2016, que muitos filmes dirigidos por mulheres e com temáticas femininas muito fortes, ficavam de fora por que tinham esse co-protagonismo. Mas, ressalto, a direção precisa ser exclusivamente de mulheres”, diz Clarissa Virmond, uma das organizadoras do evento.
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Constantemente, e agora mais ainda com setembro chegando, vejo representações no jornalismo de eventos tradicionalistas como verdadeiras e únicas manifestações dignas de serem denominadas CULTURA GAÚCHA. É só parar para pensar no significado de “gaúcho” para ver que tem coisa muita errada aí. Eu mesma não nasci no RS, mas vendo tantos elementos e produções culturais diversos aqui, me vejo no direito de pedir humildemente à mídia hegemônica e ao MTG: parem de usar o termo “cultura gaúcha” como sinônimo de tradicionalismo, parem de invisibilizar a diversidade e desrespeitar os artistas que escolheram o Rio Grande do Sul para trabalhar.