Akilombamento na UFRGS: Movimento negro luta para frear fraudes no uso de cotas raciais

Reportagem: Iarema Soares
Fotos: Carol Ferraz

Cláudia da Silva Ferreira, Lanceiros Negros, João Cândido, Amarildo Dias de Souza e Paulo Afonso Soares. Você conhece esses nomes ou alguns deles? Se não conhece podemos todos bater palmas para o racismo, porque ele conseguiu alcançar sua meta, conseguiu invisibilizar, desqualificar as conquistas e tornar menos importante as vidas de pessoas negras. Os nomes listados acima têm suas histórias contadas no espetáculo “Eu Não Sou Macaco” que deu início à programação da plenária organizada pelo Balanta na tarde deste domingo na reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. O evento tinha como propósito discutir pautas/situação das Políticas Afirmativas a nível nacional. Isso porque a reitoria da UFRGS baixou, em fevereiro, portarias que tiram a autonomia da comissão de verificação racial e permite que qualquer pessoa tenha acesso às vagas destinadas para alunos pretos desde que comprovarem, por meio de documentação, ascendência negra até a geração dos avós.

Tais medidas são consideradas pelo movimento negro um retrocesso na solidificação da ação afirmativa, já que eles defendem que somente pessoas com características fenotípicas de negróides devem ter acesso a essa reserva de vagas. Apesar de o evento ser aberto à comunidade, o público presente era, majoritariamente, preto. Novamente, o silêncio ensurdecedor de setores da esquerda e dos não-negros evidencia o quanto reivindicações do movimento ainda não são abraçadas mesmo por lugares que deveriam oferecer acolhida e escancaram o racismo brasileiro que deturpa conquistas e age em prol da manutenção de privilégios da classe dominante.

Quem não pode com o quilombo, não atiça seus guerreirxs

Plenária do movimento negro na Reitoria da UFRGS akilombada com movimento ‘nenhum cotista a menos’. Foto: Carol Ferraz

O estudante de História da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Maílson Moraes Santiago, relatou que, em 2016, o coletivo negro da universidade da qual frequenta denunciou 26 alunos de Medicina que teriam usado indevidamente a política de cotas raciais. A denúncia ocorreu após a turma do curso em questão não apresentar números reais, visto que dos 55 estudantes ingressantes, apenas um era negro. Os casos de fraude se confirmaram, os alunos foram afastados da UFPel e foi instaurada uma política de verificação, visto que, anteriormente, bastava se autodeclarar negro ou negra para poder usufruir da ação afirmativa. “Houve um racha racial na universidade em função das denúncias, aumentou a tensão entre os alunos, mas tivemos como saldo positivo a criação da Comissão de Controle de Identificação do Componente Étnico-Racial que inibe e barra fraudadores”, afirma Mailson Santiago. Ele conta que houve, até mesmo, casos de pessoas que, visivelmente, usaram maquiagem mais escura que o próprio tom de pele no dia das entrevistas de verificação racial. Após o desligamento dos 26 fraudadores, a UFPel preencheu as vagas com os candidatos que haviam ficado como suplentes em cada um dos processos seletivos cujos ingressantes tiveram a matrícula cancelada.

O advogado e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), Gleidson Renato Martins Dias, afirma que o coletivo Balanta executou uma função que é da UFRGS ao fazer o levantamento de possíveis fraudadores, mas lembra que, enquanto não acontece a aferição racial, os alunos denunciados não foram afastados da universidade. “Se temos 400 fraudadores aqui dentro da UFRGS, é porque temos 400 negros fora dos bancos acadêmicos”. Além disso, Dias ressalta que as universidades precisam ser responsáveis com a política de cotas, ou seja, criar comissões de verificação, bem como proporcionar a instrumentalização e aprimoramento do método nas universidades que já contam com esse serviço.

Plenária do movimento negro na Reitoria da UFRGS akilombada com movimento ‘nenhum cotista a menos’. Foto: Carol Ferraz

Por fim, Frei David, presidente da ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes) afirmou que o sistema está, conscientemente, decidido a desmontar conquistas do movimento negro, além disso, sugeriu que os estudantes que estão ocupando a Reitoria da UFRGS coloquem outras demandas na pauta de reivindicações.

1 – Bolsa permanência para todos os cotistas negros oriundos de famílias que recebem até 1,5 salário mínimo.

“A bolsa permanência não pode ser trocada por trabalho, isso é injusto, é exploração e crime˜, disse o Frei David.

2 – Cada vaga de branco fraudador deve ser ocupada por um cotista negro por meio de edital.

3 – Aquele ou aquela que usou indevidamente a reserva de cotas raciais deve assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e devolver o dinheiro público correspondente a cada semestre cursado na universidade. A verba deve ser encaminhada para um fundo que servirá para manter alunos negros na universidade.

Compartilhe
Apaixonada por literatura. Ama escrever sobre o protagonismo negro nos mais diversos campos de conhecimento.
Ler mais sobre
Processos artísticos Reportagem

Corpo tem sotaque: como mestra Iara Deodoro abriu caminhos para a dança afro-gaúcha

Direitos humanos Notícias Políticas culturais

Unesco sugere salário mínimo a todos os trabalhadores da cultura

Direitos humanos Reportagem

Um retrato da imigração senegalesa em Porto Alegre