De novo, o velho problema: como obter verba para a realização do meu projeto cultural? Ele não é grandioso o suficiente para ser inscrito em um edital de financiamento público, nem pequeno o bastante para ser bancado com recursos próprios. Foi a partir desse dilema que os sites de crowdfunding – financiamento colaborativo, na tradução mais utilizada – se espalharam pelo mundo e, claro, chegaram ao Brasil.
O sistema de funcionamento não é muito complicado: o artista inscreve seu projeto em uma plataforma de captação online e estabelece um prazo e a quantidade de capital necessária. Quem se interessar pode colaborar, com valores que variam, em geral, de R$ 10,00 a R$ 5000,00. Em contrapartida, recebe recompensas, desde ingressos para o espetáculo até jantares com os participantes e nome nos créditos, por exemplo.
Dos projetos existentes no Brasil, a aposta geral é no esquema “Tudo ou nada”. Se o proponente conseguir o dinheiro todo, os representantes do portal repassam, ficando com uma percentagem. O valor varia de acordo com cada site, que estabelece as taxas. Se o objetivo total não for atingido, o dinheiro é devolvido aos colaboradores ou transformado em bônus para apoio de outros projetos.
A primeira dessas iniciativas no país é o site Catarse . Diego Reeberg, um dos criadores, explica que teve ideia para o site quando cursava Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, em abril de 2010. A criação se deu um pouco mais tarde, em janeiro de 2011. Procurando ideias na internet – campo referência do mundo hoje – ele e o colega Luís Otávio Ribeiro conheceram o Kickstarter, a maior plataforma de financiamento colaborativo do mundo. “Queríamos algo que inspirasse uma mudança social e cultural”, conta Diego, “e foi isso que encontramos no Kickstarter”. A inspiração para o nome do novo projeto foi retirada da acepção da palavra: “catarse significa libertação. Liberdade das formas tradicionais de financiamento, formas burocráticas. Libertação também no sentido de tirar esses projetos da gaveta.”
O site Kickstarter também serviu de modelo para o Multidão, iniciativa dos irmãos Rodrigo e Thiago Maia. Rodrigo explica que o nome Multidão, por incrível que pareça não vem da tradução literal do crowd , de crowdfunding. O título tem origem bem mais nobre: “é um conceito trabalhado pelo Antonio Negri nas suas obra Império (2000) e Multidão (2005). Ele trabalha, sob uma perspectiva moderna, a idéia que vem de Maquiavel, de que o povo é composto por uma diversidade de sujeitos e que pode ser uma agente de interferência política. Achei que o nome tinha uma mística, uma adaptabilidade e uma ressonância forte. Bateu-ficou”.
Com estreia prevista para a metade de abril, o site já possui cerca de 45 projetos cadastrados, mas nem todos serão postos em prática. Eles passarão, claro, por uma filtragem. “Essa filtragem tem alguns parâmetros, como trabalhos anteriores, pesquisa sobre o realizador, estrutura do projeto e o contato pessoal que estamos fazendo com cada artista”, esclarece Rodrigo.
É de praxe que a filtragem seja feita para garantir a qualidade dos projetos endossados pelos sites. No entanto, não é de responsabilidade das plataformas a realização do projeto depois da captação dos recursos. Por isso, é importante que o colaborador desse sistema pesquise, também, o histórico do artista proponente, suas obras anteriores e suas referências antes de investir.
Morando em Nova York entre 2009 e 2010, a artista Juliana Vicari, diretora do espetáculo Pulp Dances, realizado pelo Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, já tinha tido contato com esse tipo de iniciativa. “Lá é bem comum, os indivíduos colaboram bastante com projetos artísticos”, explica. Quando surgiu a oportunidade de cadastrar a peça no Catarse, ela avaliou que seria uma forma interessante de divulgação e de não deixar o projeto morrer, já que o financiamento da Prefeitura cobria apenas uma temporada do espetáculo. “Temos despesas com a manutenção do projeto, como o aluguel do teatro, o pagamento dos funcionários e gastos com luz, por exemplo. Apostar no crowfunding é a possibilidade de continuar com o trabalho de forma independente”, constata Juliana.
O Pulp Dances é um dos quatro projetos que já atingiram a meta de captação, usando o Catarse. Para Juliana, o sucesso deveu-se também ao fato de união de dois estilos culturais – dança e cinema. “Como é um espetáculo de dança baseada nos filmes do diretor Quentin Tarantino, conseguimos unir dois públicos diferentes”, declara. “O projeto foi apoiado não só por pessoas ligadas à dança, mas também ao cinema. E também por amigos de gente que já tinha assistido a apresentação uma vez”. Com a ajuda do Catarse, o Pulp levantou R$ 4580,00 – valor que ultrapassou a meta de R$ 4000,00. Agora, o espetáculo volta aos palcos da capital gaúcha em maio, em temporada patrocinada pelo crowdfunding. Juliana já adianta que as sessões serão de sexta a domingo, para facilitar o acesso do público.
Juliana conheceu o site através de amigos: “a namorada de um dos desenvolvedores do site é uma das bailarinas do espetáculo. Conversando com eles, vi que o projeto preenchia todos os pré-requisitos para a inscrição”. A aposta na divulgação “boca-a-boca” e, principalmente, nas redes sociais, é uma característica dessa nova forma de financiamento. É à pulverização das informações sobre os projetos com a ajuda do twitter e de amigos que Daniel atribui o sucesso do site. “Um dia, eu estava em um bar e ouvi as pessoas da mesa ao lado comentando sobre o Catarse, porque receberam o link pelo Twitter”, diverte-se.
A expectativa é que, com a popularização desse tipo de financiamento, a relação do público com a arte sofra alterações. Rodrigo define a nova fase como uma etapa de aproximação: “o financiamento colaborativo tem o potencial de integrar artista e público de forma inédita. O público compartilha uma experiência com o artista, dizendo a ele que acredita no que ele faz. Não é apenas assistir a uma peça de teatro ou ver um filme. No crowdfunding, você saberá que apoiou o estágio embrionário da obra, quando esta era apenas uma idéia. E isso é poderoso. Traz uma noção de participação, e de certa forma subverte a relação de consumo de produtos de arte, cria um nível diferente de contato, em que você não é apenas consumidor, mas um participante”, avalia Rodrigo. Juliana também acredita que, a longo prazo, essa transformação formará cidadãos mais ativos e responsáveis pelo desenvolvimento da arte. “Nos Estados Unidos, muitas coisas acontecem por iniciativas individuais, porque as pessoas influenciam a produção artística do país”, afirma a diretora.
Parábens.