Cristiane Sampaio/Brasil de Fato
Foto – (Fernando Frazão/Agência Brasil)
A reforma tributária proposta pelo governo Bolsonaro pode provocar uma alta no preço dos livros no país. O motivo seria a taxação de 12% sobre o preço desse tipo de produto, segundo defende o ministro da Economia, Paulo Guedes. O tema está em discussão no Congresso Nacional e assombrou o mercado editorial, que enfrenta uma crise estrutural e encolheu 20% entre os anos de 2006 e 2019, segundo levantamento da Nielsen Book.
Pelas regras vigentes no país, o mercado de livros tem imunidade tributária garantida pelo artigo 150 da Constituição Federal e pela Lei 10.865/2004, que retira o segmento do pagamento de Cofins e PIS/Pasep.
Por conta disso, entidades do ramo levantaram a voz contra a proposta do governo. No início deste mês, diversos atores ligados à Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros) publicaram um manifesto em que defendem a simplificação tributária, um dos aspectos da reforma em debate, mas assinalam que a medida prejudicará o setor e trará prejuízos ao país.
“Qualquer aumento no custo, por menor que seja, afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo”, argumentam as entidades no texto.
Outros atores ligados ao ramo também se mostraram surpresos com a medida. É o caso do escritor Marco Severo, que aponta para um efeito em cadeia no mercado. “É claro que vai haver uma oneração do valor do livro, que vai ficar mais inacessível, e isso vai incorrer também no sério risco de editoras independentes fecharem. Vai ser um caos pra todo mundo. A gente já vive num mercado muito canibal, então, vai afetar as vendas e o acesso a livros. Penso que deveríamos investir num outro rumo, que veja estratégias voltadas aos interesses do leitor”, argumenta o autor.
Recuperação interrompida?
A ameaça de pôr um fim à imunidade tributária pode interromper o tímido fluxo de recuperação do setor, que começou a dar leves sinais de melhora nos últimos meses. Números do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) mostram que, entre junho e julho, o segmento vendeu 2,95 milhões de títulos e viu o faturamento ultrapassar os R$ 117 milhões. Os dados resultam de um aumento de 0,64% em volumes e 4,44% em valores na comparação com o mesmo período do ano passado.
Entre maio e junho deste ano, por exemplo, o mercado havia tido um crescimento de 31% no faturamento em relação ao mês anterior. Profissionais do ramo atribuem o índice à mudança de hábito de muitos trabalhadores brasileiros, que passaram a ficar mais tempo em casa por conta da pandemia e, com isso, adquiriram mais livros e outros produtos culturais.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a tradutora e servidora pública Ananda Badaró, que gosta de literatura desde a infância, mas, em meio à correria da vida, vinha deixando as leituras mais cativas de lado nos últimos tempos. Com a quarentena instaurada pelo coronavírus, a profissional resgatou o costume e comprou cerca de 15 livros, entre histórias em quadrinhos e obras de ficção, ao longo dos últimos meses.
“A rotina agora está um pouco mais tranquila, leve, porque eu faço menos deslocamento, passo mais tempo em casa, tenho menos momentos de socialização também, então, isso acabou contribuindo pra que eu retomasse esse hábito”, conta, acrescentando que priorizou produtos de editoras menores por observar que estas sofrem maior impacto diante das crises de mercado.
“Eu estava prestando atenção nisso. No início da pandemia, chamava a atenção o fato de as pequenas editoras estarem sentindo isso na pele, com queda nas vendas. Lembro, inclusive, que os correios suspenderam o tipo de envio mais barato pra livros, e isso afetou muito a vida delas”, lembra a tradutora, em referência à interrupção do serviço conhecido como “registro módico”, que encareceu o despacho de livros.
A editora Expressão Popular, por exemplo, que lida com livros de não ficção, teve um choque inicial de cerca de 70% de redução das vendas, no mês de março, quando o país viveu as primeiras medidas de isolamento, as quais impactaram duramente os pontos de venda em lojas físicas. Depois, a organização voltou a vender. Apesar disso, o índice atual ainda se encontra 25% abaixo da média da editora em 2019, um sintoma do mercado editorial como um todo, que já vinha em um histórico processo de recessão.
Por conta disso, o coordenador político da editora, Carlos Bellé, vê o crescimento recente com cautela. “São dados que se relativizam no montante. A questão central é que, de maneira geral, há um acesso muito complicado da população ao livro, e entendendo aqui o livro como um bem cultural de formação. Esse processo precisa ser compreendido”, assinala.
Campanha
Via de regra, profissionais e produtores independentes tendem a ser os mais afetados pelas crises. De olho na recessão e pensando em auxiliar esse público em particular, a campanha “+Livros”, promovida pela plataforma Catarse, busca atualmente uma arrecadação de fundos para o segmento. A ação já soma mais de R$ 466 mil em doações e promove uma mobilização até o próximo dia 19 para ampliar essa marca. A verba será destinada a autores, editoras e livrarias independentes de diversas partes do país.
“Geralmente, são pessoas que não têm nenhum tipo de incentivo financeiro, seja através de editais ou da iniciativa privada. São pessoas que compram com o valor da própria venda pra continuar funcionando, gerando seus empregos, enfim. Neste momento de portas fechadas, de queda nas vendas, de incertezas quanto aos principais eventos do país, que são responsáveis por um grande volume de vendas, neste momento, é que eles realmente precisam de incentivo e apoio pra seguir”, avalia a analista de comunidade do Catarse, Valquíria Vlad, integrante da Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (Aberst).
Novas ferramentas
Num cenário em que as dificuldades já consagradas do setor se somam aos desafios impostos pela crise do coronavírus, o escritor Marco Severo conta que precisou reinventar o formato de divulgação do último livro, lançado recentemente, já que a quarentena impede a realização de eventos presenciais para divulgação da obra.
Na ausência dessa possibilidade, pela primeira vez na carreira, que já soma um total de seis livros publicados, ele se engajou pessoalmente na pré-venda do novo material e conseguiu emplacar 157 unidades em um período de 30 dias de divulgação.
“Isso foi o que eu consegui vender sozinho. Não sei o total das vendas porque a editora não me passou ainda o balanço, mas o fato é que esse número é o que eu vendo num lançamento presencial, numa noite de autógrafos”, compara Severo, acrescentando que a quantidade é também maior do que o verificado no primeiro momento de vendas do seu último livro, lançado em 2019.
“Dessa vez, o lançamento foi on-line, fizemos muita divulgação pela internet. Agora, eu nunca trabalhei tanto nas redes sociais em prol de um livro. Acho que a ideia de um escritor como os que havia nas décadas mais antigas, que não precisavam fazer isso, não existe mais. É preciso ver esse engajamento agora”, acredita.
Ele destaca que a editora também lançou mão de algumas iscas para o cliente, com extensão do prazo normal de pré-venda, ausência de cobrança de frete e desconto no valor do produto. Na avaliação de Severo, para que o mercado editorial consiga pegar o ritmo do leve reaquecimento já anunciado, será necessário valorizar iniciativas que atuem nessas frentes, buscando uma adequação aos novos hábitos dos leitores.
“É preciso, cada vez mais, entender quais são as necessidades do público neste momento de pandemia, construir estratégias pelas redes sociais, interagir mais com os leitores pela internet e tornar os sites de venda mais práticos e facilmente navegáveis, já que as vendas virtuais têm sido o principal canal agora”, exemplifica.