Texto: Mariana Sirena
Fotos: Mariana Gil
Eles não precisam de lentes para fotografar. Uma lata ou caixa com um minúsculo furo, papel fotográfico, forro escuro e fita adesiva para arrematar são suficientes para a confecção de suas câmeras. Com um olhar sensível às oportunidades angulares sobre o ambiente e um pouco de conhecimento de Física… Pronto. Após o manuseio da química no laboratório de revelação, eles têm as suas imagens. São os fotógrafos que recuperam técnicas simples, de heranças seculares, como a técnica pinhole.
Por um relativo baixo custo, estas técnicas abrem um mundo de possibilidades para qualquer pessoa que queira adentrar-se no mundo da fotografia. Quem explica é Gustavo Razzera, fotógrafo que há praticamente uma década trabalha com câmeras artesanais. Segundo ele, é inegável que o digital tenha facilitado o ato de fotografar, tornado-o instantâneo, porém o acesso à fotografia analógica acabou dificultado. Perde-se aí um universo rico a ser explorado. “As pessoas que se interessam atualmente pela fotografia artesanal e pelo processo analógico são aquelas que querem conhecer tudo que se pode fazer quando se fala em foto, e não se restringir ao digital”, completa.
Basta observar a relação entre os fotógrafos e suas câmeras para entender o diferencial que se encontra em técnicas como pinhole: tem a ver com o fato de que a fotografia é todo o caminho da produção da foto, e não apenas o resultado final. “O trabalho com pinhole é mais orgânico e pessoal, pois podes interferir em todo o processo desde a confecção da câmera”, explica Gustavo. A interferência que ele menciona diz respeito e também aos os efeitos que podem ser obtidos na revelação em laboratório, bem longe dos monitores de computador e do photoshop. “O analógico acabou tornando-se ‘alternativo’, o que atrai muita gente nova que quer fazer algo diferente”, observa.
Colocando a mão na lata No Pinhole Day, dia em que fotógrafos do mundo inteiro produzem fotos com a técnica pinhole e as compartilham na internet, o Instituto Estadual de Artes Visuais do Rio Grande do Sul (IEAVI) promoveu atividades comemorativas na casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ). Uma oficina foi oferecida nos dias precedentes ao evento, que neste ano aconteceu em 30 de abril. O dia nublado, que interfere e muito nos resultados quando se fala em pinhole, afastou os participantes, mas não impediu que os mais animados fossem ao laboratório da CCMQ para a revelação de suas imagens. As câmeras pequenas ou grandes, cheias de detalhes ou lisas de uma cor só, brutas ou elaboradas, reforçavam a ideia de proximidade do fotógrafo com sua “lata”.
Jaqueline Moura, designer gráfica e estudante de Artes Visuais, compareceu à oficina e também ao evento do Pinhole Day. Ela conta que conheceu a pinhole há dez anos em oficina com o grupo Lata Mágica, mas acabou afastando-se da técnica após envolver-se no trabalho em estúdio fotográfico. Por que voltou a procurar? Nas suas palavras, para “brincar”, referindo-se ao aspecto lúdico que envolve a técnica. Mas também apresenta motivos sérios, estéticos: “a gente pode criar de um jeito diferente do digital, e ao mesmo tempo ser surpreendida: não dá pra saber ao certo o que vai aparecer na foto no final de tudo”, comenta.
A designer cita ainda o efeito circular que pode ser mantido na hora da revelação, que a encanta. Na verdade, este efeito acontece em todas as câmeras: a projeção da imagem acontece sempre em formato de círculo. O que as câmeras tradicionais fazem é enquadrar a imagem final em retângulo, eliminando o que ficaria em volta. Dependendo do tamanho do furo da lata e da distância do papel fotográfico, a imagem pode ser mantida neste formato.
Este é um dos aspectos que Gustavo Razzera explora na sua atual exposição, “Ensolarado 16”, em cartaz na fotogaleria Virgílio Calegari da CCMQ. As imagens foram feitas através do método de fotografar quase intuitivo que dá nome à mostra. Neste caso, não foi adotada a técnica do pinhole, apesar do uso de uma câmera artesanal (também exposta). O efeito circular das imagens, referido anteriormente por Jaqueline, chama a atenção: “esse formato me lembra a visão ocular, que não é retangular”, observou um dos visitantes enquanto o artista mostrava as fotos da galeria às repórteres. Gustavo lembra que a imagem em círculo remete também à memória visual, que nunca registra todo o universo quadrado em torno da imagem, mas sim um foco específico.
Segundo o fotógrafo, o que costuma afastar as pessoas da pinhole e das câmeras artesanais é a questão do tempo. Para fotografar dessa forma, podem ser gastos longos segundos ou até minutos, dependendo da luz ambiente, só na exposição, sem contar a revelação. A técnica acaba propondo uma relação diferente com o tempo, que pode se tornar insuportável para alguns na correria e na instantaneidade do mundo contemporâneo. Mas, esteticamente falando, o resultado é único e surpreendente, principalmente quando se observa o foco suave, bastante peculiar se comparado a outras formas de fotografar.
Pinhole digital Mas não é só de latas e câmeras feitas à mão que vive a pinhole. Gustavo Razzera comprovou para as repórteres que a ideia pode muito bem ser transportada para o formato digital. Propondo uma ilustração diferente para a nossa matéria, ele transformou a câmera da equipe em uma câmera pinhole simplesmente tirando a lente e substituindo-a por um grosso papel preto com um minúsculo furo.
O “buraco de agulha” a que o termo termo inglês pin – hole refere-se pode projetar perfeitamente imagens na câmera digital, fazendo as vezes do diafragma, o que elimina as dificuldades da revelação pelo processo analógico.
Já existem no mercado “lentes” para pinhole digital (que só podem ser utilizadas em câmeras profissionais, por causa da troca de lentes). Estas lentes são como as tampas das lentes tradicionais, que vedam completamente a entrada de luz, porém com o furinho. Para quem não quiser comprar, basta abrir um orifício bem pequeno na tampa das suas próprias lentes.