Pedro Gontijo/Senado Federal

Setor cultural tem vitória histórica com derrubada dos vetos no Congresso

(Com informações da Agência Senado)

Com a presença em Plenário de artistas, empresários, produtores e secretários de Cultura, o Congresso Nacional derrubou, na noite desta terça-feira (5), os vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei Aldir Blanc 2 e à Lei Paulo Gustavo, ambas criadas para incentivar atividades culturais via estados e municípios. A derrubada representou uma vitória histórica da classe artística na guerra travada com o governo, que há meses vinha trabalhando para adiar a sessão conjunta no parlamento.

O veto às duas leis, aprovadas por ampla maioria nas duas casas, foi a cartada final do presidente no leque de ataques à cultura, iniciados antes mesmo da sua eleição e que seguiram principalmente nos últimos anos com a atuação de Mario Frias e André Porciuncula na pasta da Cultura. Com medidas autoritárias, o governo alterou a lei Rouanet, tentou censurar a Fundação Palmares, apoiou publicamente casos de censura em diversos municípios e não promoveu políticas sólidas de financiamento ao setor.

Nas últimas semanas antes do recesso parlamentar no Congresso, a votação foi possível a partir de um acordo entre líderes partidários e parlamentares do governo, o que permitiu ainda a análise de quase toda a pauta do dia, que tinha 27 itens. Com a derrubada dos vetos, os textos serão agora promulgados pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, tornando-se leis.

Nas redes sociais, o setor cultural realizou um trabalho de base para conscientizar a sociedade sobre a importância das duas leis. Por meio de grupos no whatsapp, os trabalhadores da área se organizaram para conversar com os deputados e senadores de governo e oposição até o último momento da votação. Com a conclusão de uma novela que se arrasta desde o início do ano, as duas leis são complementares. Enquanto a Paulo Gustavo garante recursos emergenciais de verbas estocadas no Fundo Nacional da Cultura e no Fundo Setorial do Audiovisual, a Lei Aldir Blanc 2 é mais perene, concretizando o funcionamento do Sistema Nacional da Cultura, processo que já havia sido ensaiado na LAB 1. A verba será distribuída de forma descentralizada, chegando até artistas de pequenos municípios para financiar projetos culturais por meios de editais outras ferramentas.

Nas últimas semanas, diversos fazedores de cultura fizeram caravanas ao Congresso para debater sobre a importância do financiamento ao setor. Para o músico Renegado, “Estamos falando de cultura produtiva, que impacta no PIB do país. Devemos entender que há famílias que vivem da produção cultural no país. O que a gente quer é dignidade para continuar nosso exercício de levar cultura para as pessoas”.

Lei Aldir Blanc 2

O veto relativo à Lei Aldir Blanc 2 foi rejeitado por 414 deputados federais. Trinta e nove quiseram mantê-lo, mas foram derrotados. Houve ainda duas abstenções. No Senado, o placar foi unânime: 69 a 0. A Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura é uma homenagem ao compositor Aldir Blanc Mendes, que morreu em maio de 2020 em decorrência da covid-19. Segundo a lei, deverão ser destinados R$ 3 bi anuais ao setor até 2027, nos moldes da LAB 1.

A iniciativa enumera 17 ações e atividades que podem ser financiadas. Entre elas, exposições, festivais, festas populares, feiras e espetáculos, prêmios, cursos, concessão de bolsas de estudo e realização de intercâmbio cultural. O dinheiro também poderá ser usado para aquisição de obras de arte, preservação, organização, digitalização do patrimônio cultural, construção ou reforma de museus, bibliotecas, centros culturais e teatros, aquisição de imóveis tombados para instalação de equipamentos culturais e manutenção de companhias e orquestras. 

O texto estabelece que 80% dos recursos devem ser destinados a ações de apoio ao setor cultural, como o lançamento de editais, prêmios e outros instrumentos destinados à manutenção de espaços, iniciativas, cursos, produções e atividades culturais, além da manutenção de espaços artísticos permanentes. Os 20% restantes devem ser aplicados em ações de incentivo a programas e projetos em áreas periféricas urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e comunidades tradicionais

Lei Paulo Gustavo

O veto presidencial sobre a Lei Paulo Gustavo foi derrubado por todos os 66 senadores que votaram. Na Câmara, ainda houve divergência: 356 a 36. O texto autoriza repasse de cerca de R$ 3,86 bilhões em recursos federais a estados e municípios para fomento de atividades e produtos culturais, como forma de atenuar os efeitos econômicos e sociais da pandemia de covid-19. Do total a ser liberado pelo Poder Executivo, R$ 2,797 bilhões devem ir para o setor de audiovisual. O restante (R$ 1,065 bilhão) será repartido entre outras atividades culturais. 

O nome do projeto homenageia o ator e humorista Paulo Gustavo, que morreu em maio de 2021, também vítima da covid-19. A verba prevista deve sair do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e deverá ser operada diretamente por estados e municípios. 

Mobilização

(Agência Câmara)

Deputados de diversos partidos celebraram o acordo que possibilitou a derrubada dos vetos. A mobilização incluiu a participação de diversos artistas, que acompanharam as negociações e a votação em Plenário. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que a presença de representantes do setor foi fundamental para o acordo. “A presença de vocês [artistas] fez o ambiente mudar, fez com que o coração e a consciência dos parlamentares compreendessem que arte é ofício, arte é trabalho, as pessoas vivem da arte”, afirmou.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) ressaltou que as propostas podem destinar R$ 6 bilhões para a cultura. “Hoje é um dia histórico de nós darmos uma demonstração de respeito a tudo que a cultura já fez e a tudo que ela fará pela identidade e pelo nosso projeto de Nação”, disse.

A líder do Psol, deputada Sâmia Bomfim (SP), afirmou que a votação é mais uma vitória do Congresso diante do Poder Executivo que, na sua avaliação, tentou desmontar as fontes de financiamento da cultura. “Além de o acesso à cultura ser um direito da população, é também um setor econômico importante: são cerca de 4% do nosso PIB. Isso não pode ser irrelevante, só mesmo na mente de um governo negacionista”, criticou.

Para o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), o acordo construído chegou a um equilíbrio para fortalecer a cultura do País. “Nós tivemos um avanço muito grande com a Lei Aldir Blanc. A Lei Aldir Blanc 2 é fundamental porque os nossos fazedores de cultura estão preparados. Só no estado do Rio de Janeiro, atendeu mais de 2.500 projetos”, informou.

O deputado Marcelo Ramos (PSD-AM) destacou que deputados de diferentes correntes ideológicas conseguiram se unir em defesa do setor em duas leis que dão sustentabilidade ao setor. “É importante entendermos que essa luta em defesa da cultura não é uma luta da direita ou da esquerda, não é uma luta de liberal. A luta pelo direito à cultura equivale à luta pelo direito de comer, pelo direito de trabalhar, é uma luta por liberdade”, disse.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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