Em um fim de semana qualquer, um pai divorciado leva seus filhos pequenos, Mason Jr. e Samantha, para jogar boliche. Enquanto a menina faz um strike, seu irmão não consegue acertar sequer um pino. “Queria usar os pára-choques”, lamenta. “Você não quer usar os pára-choques. A vida não te dá pára-choques”, o pai responde prontamente.
A cena não tem nada de extraordinária. Poderia acontecer com qualquer pessoa que tenha uma família, em uma típica cidadezinha dos Estados Unidos. Mas são momentos como esse que fazem de Boyhood, novo filme de Richard Linklater, uma bela obra. O longa é uma sucessão de pequenos retalhos – inesquecíveis ou apenas cotidianos – da vida de um garoto americano, à medida que ele sai da infância para se tornar um jovem adulto.
Boyhood é um projeto ambicioso, filmado ao longo de 12 anos com os mesmos atores. Desde 2002, Linklater se encontrava com o elenco e a equipe em uma média de 3 dias de gravação por ano – 39 no total. Assim, nas 2 horas e 45 minutos do filme, vemos Ellar Coltrane crescer aos poucos – física e profissionalmente – junto com seu personagem, assim como acontece com Lorelei Linklater, filha do diretor, ao interpretar Samantha. É admirável, também, como os experientes Patricia Arquette e Ethan Hawke, os pais divorciados de Mason e Samatha, conduzem seus papéis. Enquanto a marca do tempo vai deixando rugas em seus rostos, eles nunca perdem a essência dos personagens, ainda que as mudanças ocorram dentro e fora da película em todo o tempo de gravação. Desse modo, vemos o personagem de Ethan amadurecer como pai, ao mesmo passo em que a mãe liberal e responsável, brilhantemente interpretada por Patricia, tenta acertar as escolhas de vida que faz.
Mas o foco da história é mesmo a vida de Mason. Introvertido e observador, ele vai aprendendo a viver socialmente, se auto-descobrindo e encontrando novas experiências e paixões, como a fotografia, mesmo com o sentimento gauche de não se encaixar totalmente na vida. E, nesse processo, as despedidas têm um papel importante, pois parecem estar sempre acontecendo na vida do protagonista, seja quando ele muda de cidade mais uma vez, seja quando um relacionamento não dá certo. É bonito ver como Mason assimila esses acontecimentos e forma a sua visão de mundo, entendendo que a vida é para frente.
Boyhood é particularmente nostálgico e prazeroso para quem encontra um reflexo na geração da qual o protagonista faz parte, já que as referências à cultura pop que vão aparecendo pontualmente ao longo da história trazem de volta memórias da nossa própria infância. Aí entram, por exemplo, a trilha sonora do filme, os videogames e Harry Potter. Há ainda momentos de destaque à política americana, com menções à guerra do Iraque e à eleição de Barack Obama.
Esse conjunto de referências é o plano de fundo para a experiência catártica e realista que o filme provoca. Impossível não se identificar com Mason e com os vários momentos tecidos pelo destino, desde uma simples brincadeira de criança até a primeira desilusão amorosa e a hora de sair da casa dos pais. É como se Linklater acelerasse o tempo para nos mostrar parte de nossas vidas em pouco menos de três horas.