Em Livre, Reese Witherspoon leva o empoderamento feminino para o cinema

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Reese Witherspoon comprou os direitos do livro homônimo e se envolveu na produção do filme (crédito: divulgação)

Livre (Wild, EUA, 2014)

Direção: Jean-Marc Vallée

Roteiro: Nick Hornby, Cheryl Strayed

Com: Reese Witherspoon, Laura Dern, Gaby Hoffmann, Michiel Huisman

Há tempos o cinema hollywoodiano não via uma mulher ser retratada de forma tão real, profunda, complexa e multifacetada como Cheryl Strayed. Aos 26 anos, ela precisou atravessar um deserto a pé para repensar suas escolhas de vida. No caminho, também descobriu que não se arrependia de nenhuma das ações que havia praticado até então – e isso inclui trair o marido sucessivas vezes com homens diferentes, por exemplo. O percurso escolhido por Cheryl (representada por Witherspoon) foi pouco mais de 1.800 quilômetros da Pacific Crest Trail, trilha que se estende da fronteira dos Estados Unidos com o México até o Canadá.

Treze anos depois, ela escreveu o best-seller Livre contando a experiência de fazer a trilha. A história encantou a atriz Reese Witherspoon, que adquiriu os direitos da obra e assumiu a co-produção do filme. Um belo filme, diga-se de passagem. Roteirizado por Nick Hornby (com intervenções da própria Cheryl), o trabalho é uma obra sensível, crua e de tom feminista. O longa também ganha dinamismo nas mãos do diretor Jean-Marc Vallé (de Clube de Compras Dallas), na medida em que as cenas da trilha se alternam com momentos importantes do passado da protagonista. É aos poucos, portanto, que vamos entendendo a personagem e os motivos que a levaram a essa jornada de três meses.

Nesse sentido, há um interessante paralelo entre a vida de Cheryl e o deserto, cheio de metáforas que podem ser clichês – como obstáculos e encruzilhadas -, mas que aqui funcionam perfeitamente. Pensar e repensar sobre escolhas de vida pode ser doloroso. Para Cheryl, foi purificador. Com o isolamento, ela inicia um processo de cicatrização das feridas de seu passado e, aos poucos, aceita que perdas são inevitáveis. Perdas como o seu casamento e a sua mãe Bobbi (Dern), que descobre tardiamente um câncer terminal.

E, se sua vida é marcada por essas perdas, a longa caminhada é pautada por achados, desde a experiência prática de viver cada dia da trilha até a razão mais profunda que leva muitas pessoas a aceitar este desafio: encontrar a si mesmo. Essa busca é um processo do qual o espectador também participa, à medida que vai conhecendo o passado, os defeitos e as virtudes de Cheryl.

Está aí uma das principais forças de Livre: Cheryl Strayed é uma mulher real, com problemas de mulheres reais, da gravidez indesejada ao medo sempre presente de sofrer assédio. São inúmeras as vezes em que a protagonista teme ser estuprada, principalmente quando é assediada na forma de falsos elogios – algo que não acontece só em um deserto, mas está presente no cotidiano de qualquer mulher. É surpreendente como Hornby e Vallée (ou seja, dois homens) retratam com respeito e sensibilidade não apenas essas ocasiões mas também os momentos mais íntimos da personagem, como algumas cenas de sexo.

Grande parte do mérito de tudo isso é de Reese Witherspoon, que se envolveu na produção do filme e fez questão de incluir a verdadeira Cheryl nesse processo. Mas a atriz também está excelente na tela, e é interessante que ela tenha escolhido viver esta personagem, até agora seu grande retorno depois de Johnny e June.

“Que tipo de garota você é, Cheryl? É uma garota selvagem?”, pergunta um homem a certa altura do filme. Como o próprio filme prova, Cheryl Strayed não é um tipo de garota. Assim como todas as mulheres, ela é vários tipos, com seus erros, dores, medos e certezas.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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