Fotos: Mariana Gil
“E aí, como é que foi o show da Sharon Jones?”
Já respondi a esta pergunta algumas vezes desde a última sexta-feira e creio que em nenhuma delas consegui resumir, de forma justa, o que foi a apresentação dessa extraordinária cantora e, claro, da não menos extraordinária banda que a acompanha, os Dap-Kings. Qualquer adjetivo, por mais elogioso que seja, parece pouco para definir o que aconteceu durante aquela uma hora e meia.
Mas primeiro vamos a algumas observações sobre o local do show. Infelizmente, o Teatro do Bourbon Country não estava completamente lotado, e talvez isso se explique pelo salgado preço dos ingressos, de R$ 245 a R$ 350. Além disso, as cadeiras não eram necessárias. Talvez a organização esperasse uma plateia mais formal (mais velha), mas na prática o que se viu foi uma diversidade grande de público, incluindo crianças. Por outro lado, é de se elogiar a acústica perfeita do ambiente, que permitiu que todos os instrumentos fossem ouvidos claramente. Levando em conta que eram duas guitarras, baixo, bateria, percussão e um trio de sopros, qualquer erro de equalização poderia embolar tudo.
Com cerca de 15 minutos de atraso, os Dap-Kings sobem ao palco para executar alguns rápidos números instrumentais. Só isso já seria um show e tanto – para quem não sabe do que estou falando, essa foi a banda que Amy Winehouse pegou “emprestada” para gravar o clássico Back to Black e, posteriormente, fazer turnês. Em seguida, o guitarrista Binky Griptite, que também atua como mestre de cerimônias, chama duas backing vocals para se juntarem ao octeto. A essa altura, antes mesmo de Sharon aparecer, o público já está praticamente todo em pé, dançando. E danem-se as cadeiras numeradas.
O clima do show faz com que a plateia se sinta em um pub dos anos 60 nos Estados Unidos, quando nomes como Aretha Franklin e James Brown ganharam o mundo. Sharon Jones é cria dessa grande época da música. Por um desses infortúnios da vida, só conseguiu engrenar depois dos 40 anos, mas hoje, aos 59 e após superar um câncer, mostra ter gás para continuar por muito tempo ainda.
Quando a cantora surge no palco, os olhares imediatamente se fixam nela. Sharon é puro carisma, e não há como não se impressionar com sua energia. Ela dança sem parar. Rodopia, faz caretas, ri, bate papo com a plateia. Fala de relacionamentos mal resolvidos, de homens cafajestes, das alegrias e tristezas do amor. E canta. Muito.
Após “Retreat!”, um dos singles do bem-sucedido Give the People What They Want (2014), Sharon convida um rapaz da plateia para dançar em “You’ll Be Lonely”, e ele, mesmo que um pouco desajeitado, não pensa duas vezes. Mais adiante, em “Long Time, Wrong Time”, repete o artifício com outro sujeito, e logo depois, em “I’m not Gonna Cry”, diz que é a vez das “ladies”. Nada menos que oito moças sobem ao palco, e uma delas ainda arrisca dividir trechos do refrão com a cantora.
“I Learned the Hard Way”, faixa-título do álbum de 2010, parece algo que sua devota discípula Amy poderia ter gravado em Back to Black, e chama a atenção pelo belo arranjo de sopros. A seguir, o momento mais marcante do show: as lições de dança de Sharon Jones. Ao som de um instrumental que parece ter saído daquelas trilhas de filmes de blaxploitation dos anos 70, a cantora fala sobre diversos tipos de passos de dança, mostrando-os na prática ao chegar ao que seria o refrão.
Depois de dez minutos de adrenalina no limite, nada como uma baladinha para respirar. “Slow Down Love”, sexy e arrastada (no bom sentido), é uma daquelas canções capazes de elevar consideravelmente as taxas de natalidade.
No final, o hit “Get Up and Get Out” aparece em roupagem diferente, mais acelerada, no que Sharon diz ser uma espécie de tributo a Tina Turner – nessa música, ela até se movimenta de forma parecida com a homenageada. Ainda há espaço para o bis, com “Every Beat of my Heart”, clássico na voz de Gladys Knight & The Pips, e “He Said I Can”. Como se o talento e o carisma não fossem suficientes, a cantora ainda esbanja simpatia ao ficar algum tempo sentada no palco tirando selfies e dando autógrafos.
Ao ver um show desses, a gente tenta entender como essa ex-carcereira e segurança de carro forte recebeu tantos “nãos” de empresários. Teve um que disse a ela que era “muito negra, muito gorda, muito baixa e muito velha” para fazer sucesso. A estupidez humana realmente não tem limites.
Obrigado por não ter desistido, Sharon.