Cidade das Letras: Iniciativas democratizam o acesso à leitura em Porto Alegre

Porto Alegre tem uma relação especial com a literatura. Palco de escritores como Erico Veríssimo, Mario Quintana e Caio Fernando Abreu, a cidade possui uma quantidade enorme de sebos espalhados pelos bairros Centro, Cidade Baixa e Bom Fim; sem falar que ela também é sede da maior feira de livros a céu aberto da América Latina. Ainda assim, Porto Alegre oferece projetos alternativos de incentivo à leitura, como bibliotecas comunitárias, livros numa bicicleta de bambu e carrinhos ambulantes para troca de histórias.

A maioria dos frequentadores da biblioteca são mulheres e crianças (Crédito: Projeto Redes de Leitura de Bibliotecas Comunitárias/ ONG Cirandar)
A maioria dos frequentadores da biblioteca são mulheres e crianças (Crédito: Projeto Redes de Leitura de Bibliotecas Comunitárias/ ONG Cirandar)

O projeto Redes de Leitura de Bibliotecas Comunitárias é coordenado pela organização não-governamental Cirandar, que há sete anos coordena nove bibliotecas localizadas em periferias da cidade. Em visita à Vila Nova Chocolatão, zona leste de Porto Alegre, conversamos com Maria Fernanda, coordenadora de projetos da ONG, que explicou como surgiu o projeto. A antiga coordenadora geral, Márcia Cavalcante, trabalhava numa biblioteca, a Biblioteca Comunitária Ilê Ará, no Morro da Cruz. Eles tinham um trabalho bem bacana, que era bem visto, a mala de leitura – eles botavam os livros na mala e levavam nas casas”, explica. Na época, o patrocínio do Instituto C&A instigou a Márcia a levar o projeto para outros espaços. Então, ela e mais outras amigas criaram a ONG para expandir o trabalho que já era feito no Morro da Cruz.  “Elas procuraram outros espaços, principalmente em comunidades de periferia, para montar uma rede de bibliotecas que usasse mais ou menos o mesmo método dessa, que estava dando muito certo. Assim surgiu o Redes de Leitura”, afirma Fernanda.

Os moradores da comunidade reassentada são, em sua maioria, catadores de lixo, e grande parte dos frequentadores da biblioteca são mulheres e crianças. “Muitas vezes são os próprios pais das crianças”, afirma Fernanda. Uma das formas de empréstimo dos livros é a sacola de leitura, onde se colocam livros que possam interessar a todos os membros da família.

Troca Viva quer que as pessoas desapeguem dos livros e compartilhem com outras (Crédito: Projeto Livros na Estrada /Troca Viva)
Troca Viva quer que as pessoas desapeguem dos livros e compartilhem com outras (Crédito: Projeto Livros na Estrada /Troca Viva)

E a evolução no letramento dessa população é surpreendente. Houve casos de crianças que não conseguiam ouvir uma história ou ler um livro inteiro e que, depois de idas frequentes à biblioteca, conseguiram. Quetulin, de 11 anos, disse que foi lá que aprendeu a ler. Seu livro preferido é Numa Noite Muito, Muito Escura, Simon Prescott.

Um pouco longe dali, na Rodoviária de Porto Alegre, centro da cidade, quem se prepara para encarar algumas horas de estrada de dentro de um ônibus pode fazer outra viagem antes de embarcar – uma viagem pelos livros.

O coletivo Troca Viva tem como princípio utilizar espaços públicos de Porto Alegre e de Goiânia (GO) para promover a leitura, a arte e a troca. O projeto Livros na Estrada, organizado pelo coletivo, visa fazer com que as pessoas desapeguem dos livros e compartilhem com outras, fazendo as obras circularem. “Tivemos a ideia de montar bibliotecas livres. A primeira opção que pensamos foi na rodoviária, em virtude da grande circulação de pessoas e aliar viagem e leitura é uma combinação ótima”, diz Natália Gastaud, uma das integrantes do Troca Viva. Há três caixas de livros espalhadas pelos dois andares da rodoviária e todos os livros devem ser devolvidos – não há data de devolução — ou trocados por outros.

Bicicleta feita de bambus chama a atenção por onde passa (Crédito: Alina de Souza )
Bicicleta feita de bambus chama a atenção por onde passa (Crédito: Alina de Souza )

Quem passeia pelo parque da Redenção, um dos mais populares de Porto Alegre, frequentemente vê uma inusitada bicicleta de bambu recheada de livros. A Bambucicloteca é invenção do artista plástico Klaus Volkmann, que concebeu bicicletas feitas apenas com material sustentável, revestida de bambu, completamente ecológica, juntamente com a equipe do Cabaré do Verbo que sugeriu que se criasse, com ela, uma biblioteca móvel itinerante.

A Bambucicloteca atua normalmente na Redenção pelo menos 2 vezes ao mês – aos sábados – em dias de sol e durante a tarde, mas também atua em escolas, espaços culturais e mostras artísticas em geral. Segundo um dos colaboradores do projeto, Diego Petrarca, o objetivo é fomentar a leitura através da troca de livros dos mesmos gêneros. “A pessoa pode também contribuir contando uma história, lendo um poema, ou mesmo lendo um trecho de algum livro”, diz ele. O acervo contém, basicamente, livros de poesia, de ficção e de arte.

Ainda segundo Diego, a bicicleta chama mais a atenção das pessoas por se tratar de algo diferenciado, bonito. Depois que percebem os livros expostos, surge a curiosidade. “Percebemos que o contato com o livro fica mais à vontade, pois a ideia é realmente interagir, mexer, ler, usufruir do livro para além de algo solene e tratado como objeto de luxo. O fato de ser troca e não compra do livro é algo também que deslumbra e estimula muito. O grande diferencial do projeto é esse mesmo: a prática da leitura incorporada a uma diversão ou atividade lúdica”.      

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