Com mosaico de vidas fracassadas, Krum se destaca no Porto Alegre em Cena

(Foto: Nana Moraes)
(Foto: Nana Moraes)

Texto Adriana Lampert

O acender e apagar constante da luz cênica pode ser interpretado como ferramenta para a metáfora de que os personagens tateiam na escuridão em busca de seus sonhos, sem jamais realizá-los. Krum, do dramaturgo israelense Hanoch Levin, recebe montagem da Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, em uma parceria do grupo com a atriz Renata Sorrah. Carregado de desesperança, o texto revela, entre outras coisas, episódios de uma série de vidas fracassadas. Uma delas é a do jovem que inspira o título da peça, interpretado por Danilo Grangheia, que volta de uma viagem ao exterior sem nada ter aproveitado, aprendido ou conquistado. Dirigido por Marcio Abreu, o espetáculo foi uma das atrações do 22º Porto Alegre Em Cena, que se encerrou no último dia 20 de setembro.

Com influências de Beckett e Brecht (que quebram com a figura do herói, apresentando o protagonista como uma pessoa comum) a história na versão da Companhia Brasileira de Teatro revela a falta de grandes feitos de cada personagem se debruçando em priorizar essencialmente o trabalho de ator. Renata vive Tudra, a namorada submissa de Krum, que acaba sendo abandonada por ele e decide casar com Tachtich (Rodrigo Ferranini), a quem despreza. Sua amiga Dupa (Inez Viana) é uma mulher solitária, que não consegue dar certo nos relacionamentos, e cede às investidas de Tugati (Ranieri Gonzalez) – um hipocondríaco, que morrerá antes que os dois consigam fazer sexo. A trama conta ainda com a rotina ordinária do casal Felicia (Cris Larin) e Dolce (Edson Rocha) –  que não se suportam, mas são inseparáveis – , com o desgosto explícito da mãe (Grace Passô) de Krum, que não poupa palavras para criticar a inércia do filho; e com a tara insaciável do italiano sem conteúdo interpretado por Rodrigo Bolzan.

A encenação é minimalista, mas conta com algumas partituras e jogos corporais que estabelecem um ritmo de repetição, como se o dia seguinte fosse um espelho do anterior. Marcada pela entrega profunda do elenco a vidas que sofrem as angústias típicas de seres humanos comuns e sem êxitos para comemorar, ainda conta com o uso de um microfone, que por vezes surge como um recurso na voz dos atores para reverberar parte do texto. E apesar de abordar temas que passam pelo abandono, a violência, a inconstância, a falta de auto-estima, as impossibilidades e o medo de mudar, o espetáculo consegue ser também engraçado, devido aos diálogos irônicos estabelecidos entre os personagens.

Escrito em 1972, o texto se mostra atual, em um mundo onde as redes sociais, usadas para se mostrar méritos e conquistas nem sempre reais, mascaram um universo onde o que predomina é mesmo a mediocridade. Para sugerir uma perspectiva distanciada da ânsia vivida por alguém que não sabe ao menos onde quer chegar, o próprio elenco se coloca em alguns momentos no papel de espectador da peça, lembrando que também nós somos muitas vezes espectadores de nossas próprias vidas (deixando de assumir o protagonismo desejado). Exatamente por isso que, após 110 minutos de revezamento em torno do existencialismo dos personagens da trama, é impossível não sair do teatro sem o velho questionamento de qual o sentido real da jornada de cada um neste mundo – uma vez que, havendo tantas possibilidades, ainda assim é possível não restar nenhuma.

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