Quem gosta de música brasileira precisa ver um show de Jorge Ben Jor pelo menos uma vez na vida. Além de toda a história que carrega em 50 anos de carreira, ele já é o paraninfo de uma geração que redescobriu a brasilidade em festas como a Cadê Tereza – nome em homenagem à música que, aliás, ficou de fora do setlist cheio de clássicos. Na última sexta (23), os porto-alegrenses tiveram mais uma oportunidade de ver o homem. Apesar de não ter lotado, o Araújo Vianna recebeu um público que é uma prova da atemporalidade da obra do músico: jovens de traje social ou mais alternativos, casais de meia idade, idosos.
Com 20 minutos de atraso, Jorge Ben abriu o show com estilo, ao som de “Jorge da Capadócia”, e foi recebido por uma plateia aparentemente tímida, sentada. A impressão se desfez rapidamente, quando “A Banda do Zé Pretinho“ (ou Para Animar a Festa, como ficou conhecida) colocou o auditório para dançar.
E a festa seguiu animada com o suíngue de Jorge pelo resto da noite: “Zazueira”, “Ela é Minha Menina”, “Ive Brussel” e “Que Maravilha” (composta em conjunto com Toquinho) deram o tom da mistura entre samba, rock, blues e outros gêneros que só ele sabe fazer. Jorge tomou para si até mesmo a “Quero Toda Noite”, música de Fiuk com participação especial dele. Com os dotes de alquimia de quem transforma chumbo em ouro, ele fez a letra Quero toda noite dormir junto sim/ Quero toda noite te reencontrar/ Quero toda noite o seu beijo sim/ Quero toda noite o teu corpo pra colar no meu se transformar na estética benjoriana.
Mérito também da Banda do Zé Pretinho, formada por Lucas Fernandes (bateria), Neném da Cuíca, Dadi Carvalho (baixo), Marlon Sete (trompete) e Jean Arnout (saxofone). O grupo, que dá nome ao álbum da fase mais pop do cantor – quando gravou na Som Livre, da Globo -, vem acompanhando Jorge nos últimos shows. Sem lançar um álbum de inéditas há mais de 10 anos, é visível que ele se diverte com suas turnês, que têm sido pouco alteradas nos últimos anos. “Tenho que vir todo ano pra cá”, pediu, em um dos poucos momentos de interação com o público.
Em seguida, Jorge fez uma linda homenagem ao amigo Tim Maia, chamando a plateia para cantar “Do Leme ao Pontal” acapella. Sem dúvidas, um dos ápices da noite. E se a publicidade algum dia pôde ser considerada arte, só mesmo nas mãos de alguém como Jorge Ben e sua “W/Brasil (Chama o Síndico)”, que ele nomeou em referência à agência de Washington Olivetto e também a Tim.
O mash-up de “País Tropical” com “Spyro Gyro” foi um daqueles momentos que se pode chamar de geniais sem medo de cair na banalização. Afinal, o homem fez todo mundo dançar e pular enquanto cantava Que plâncton é esse? (…)/ é um bichinho bonito verdinho que dá na água. É para poucos. O show continuou com “Mas Que Nada” – o hiper sucesso que abre seu álbum de estreia, Samba Esquema Novo (1963) -, “Alcohol”, “Fio Maravilha” e “Ubabarauma”.
Mais para o fim da noite, no bis, Jorge abriu espaço no setlist – e no figurino, agora todo branco – para uma faixa de A Tábua de Esmeralda (1974): “O Homem da Gravata Florida”, homenagem ao alquimista Paracelso. Aliás, a fase mística de Jorge, marcada pelo disco de 1974, foi representada também por “Magnólia” e, claro, “Os Alquimistas Estão Chegando”.
É uma pena que, em pleno 2015, Jorge Ben ainda pense que é uma boa ideia chamar 20 mulheres no palco para dançar ao som de “Gostosa” em um show de objetificação que foi até um pouco surreal de assistir. Escolha infeliz, se considerarmos que ele tem no currículo canções como Criola e Zumbi.
Mas a noite encerrou com amor, com a catarse que “Taj Mahal” costuma provocar nos fins de festas – aquelas mesmas onde redescobrimos a riqueza de ser brasileiro e poder ouvir ao vivo expoentes dessa mistura que nenhum outro país tem.