Ele Está de Volta – E o que nossa sociedade com líderes extremistas tem a ver com isso

Por Filipe Rossau

Em outubro de 2014, Adolf Hitler acorda em uma área onde ficava seu antigo bunker, mas que atualmente é uma calma zona residencial em Berlim. Desorientado sobre o mundo atual e até mesmo sobre onde (ou quando) está, anda pelas ruas movimentadas em busca de maiores informações. Nas praças apinhadas de alemães e turistas, é parado para selfies, abraços calorosos e cumprimentos, embora também para reações menos amistosas. Esse cenário foi vivido pelo pouco conhecido ator ítalo-alemão Oliver Masucci em Ele Está de Volta (tradução de Er ist wieder da), filme alemão de 2015, disponibilizado no Brasil pelo Netflix.

Masucci é pouco conhecido na Europa, o que facilitou que saísse trajado de Hitler sem que as pessoas o reconhecessem como ator e sim identificando-o apenas como alguém fantasiado. Isso faz parte da premissa do filme porque, na história, Hitler é confundido com um imitador perfeito e levado à televisão. A trajetória deste Hitler dos dias atuais é registrada sem que as pessoas que interagem com ele saibam a razão por trás do personagem. Isso gera um longa-metragem que mistura ficção com documentário e humor (o chamado mockumentary). A fórmula é bastante semelhante a Borat, personagem escrachado de Sacha Baron Cohen. Adiciona-se aí o tema de uma ferida que ainda está sendo cicatrizada pelos alemães – o holocausto nazista – com uma colherada de sátira com o pensamento extremista da sociedade deste país.

Foto: divulgação
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Baseado em um livro homônimo escrito por David W, Ele Está de Volta tem seu atrativo no famoso personagem extremo sendo apresentado aos novos extremistas. Tanto que as sequências melhor desenvolvidas são as das interações de Hitler com pessoas que não tem ligação com a produção. Hitler passeia por diversas cidades ouvindo alemães falarem sobre suas queixas com o cenário atual. Ele instiga as pessoas a denunciarem imigrantes, o islã e até punks. Sua contribuição nos diálogos é complementar essas denúncias com suas próprias ideias contra a miscigenação racial, árabes, não-cristãos e os que considera subversivos. O ponto de encontro entre as ideias dele e de pessoas “comuns” é o choque buscado pelo filme.

E nós com isso?

Talvez mais engraçado na Europa do que por aqui, o filme lembra personagens que não entraram para a história do mundo como grandes vilões, mas despertam rejeição para tal. Nos Estados Unidos, apoiadores do empresário Donald Trump (que concorre à nomeação do Partido Republicano para disputar as eleições americanas) confundiram frases de Hitler com as de seu candidato.

O sentimento de revolta cooptado pela extrema-direita já mergulhou países em regimes totalitários que não podemos repetir. Alemanha e Itália são apenas exemplos notórios de algo que receamos rever. Na Europa inteira, crescem movimentos islamofóbicos que surfam na crise econômica e jogam para os imigrantes a culpa de sociedades desiguais. Na França, a presidente do partido de extrema-direita Frente Nacionalista ataca medidas de austeridade e defende o afastamento da União Europeia, mas sua plataforma não se furta de apoiar o fechamento das fronteiras para evitar fluxo imigratório.

No Brasil, Jair Bolsonaro (possível candidato à presidência em 2018) seguidamente abre a boca para destilar ódio contra negros, gays, lésbicas, transexuais e outras minorias.

Foto: divulgação
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Todos estes falam em crise, criticam corrupção, alegam falta de representatividade na democracia e invocam valores como “família tradicional” ou o cristianismo. Em suas auras imagens de heróis salvadores. É o populismo em sua pior forma. Estes políticos contam com uma legião de seguidores que reproduzem raiva onde podem, muitas vezes agredindo fisicamente a quem consideram ameaça. No lado de cá do globo, nós também encontramos discursos radicais que beiram o ridículo quando são expostos como realmente são.

Se Ele Está de Volta tem problemas técnicos e dificuldades em passar sua mensagem, o Hitler do longa, assim como o tirano que o inspirou, sabe da força do coletivo. Dessa forma, quando se vê ameaçado, explica o porquê de ainda estar vivo em uma sociedade que odeia aquilo que vê como diferente, detesta a diversidade e agride os que tentam modificar a ordem estabelecida.

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