Em meio à agitação política e social movida pela ascensão do conservadorismo à presidência da República, começou nesta quarta (19) a 9ª edição da FestiPoa Literária, um dos eventos mais queridos e efervescentes da cena cultural de Porto Alegre. A representatividade racial e de gênero é um dos pilares desta edição, que foi lançada no emblemático bar Ocidente, ponto de encontro histórico marcado pela diversidade.
Logo no início da programação, já deu para notar que as mulheres terão mais voz na neste ano, com a presença de escritoras e rappers como Negra Jaque. Com a casa lotada, a noite de abertura contou com shows da cantora trans Valeria Houston, do grupo de percussão as Batucas e da cartunista trans Laerte, acompanhada pelo cartunista Eloar Guazzelli e pela mediadora Nanni Rios.
Homenageada pela FestiPoa neste ano, Laerte começou sua fala mencionando o período político atual: “É um momento rude que estamos vivendo. Um golpe. E nós temos a tarefa de vencer. Uma das coisas que está acontecendo é que algumas pessoas voltaram a produzir ou dirigiram sua produção especificamente pra movimentar as consciências em torno da ideia de que a gente vive um momento que vai precisar de todo mundo”, disse, citando cartunistas gaúchos como Santiago e Edgar Vasques.
Com mais de 40 anos de carreira, a cartunista é um dos principais nomes dos quadrinhos no Brasil. Ao lado de amigos como Angeli, viveu o período de repressão e censura da ditadura, quando os cartuns e charges publicados nos jornais alternativos foram uma forma de resistência. “Perguntam se o momento atual está igual ao de 1964. Não está, mas por muitos motivos: um deles é que a sociedade civil estava muito parcamente mobilizada em comparação com hoje. Existe algo na sociedade brasileira hoje, ainda que anárquico e conflituoso, que é um padrão das pessoas se mobilizarem que não havia”, acredita. A artista também teceu críticas à mídia hegemônica. “A mídia se empenhou com todo o seu sangue em destruir a esquerda e está se empenhando agora em defender essa suposta dignidade de Temer. Tem um trabalho orquestrado de todos essas revistas e jornais para que a população considere viável e admissível o que está acontecendo”, disse, em um dos vários momentos de unanimidade e comunhão com a plateia, formada por muitos estudantes, escritores e ativistas da causa LGBT.
Um dos tópicos centrais da noite foi a situação dos direitos humanos, das mulheres e da população LGBT, que sofre uma ameaça de retrocesso devido ao perfil conservador dos aliados do governo interino. Laerte contou como as questões de identidade de gênero começaram a aparecer na sua obra, com o nascimento da personagem Muriel. “A Muriel era a figura do Hugo, minha personagem, quando se travestia. Homem vestido de mulher no cinema, na literatura é sempre uma coisa ridícula e está a serviço da farsa. Mas eu fiz uma tira em que não tinha comédia nenhuma e isso chamou atenção de uma amiga minha travesti e transexual. De certa forma meu personagem foi meu fio condutor”, lembra. A cartunista começou a frequentar rodas de conversa e encontros de crossdressers, a convite da amiga. “Quando eu me descobri respondendo tão bem à ideia da transgeneridade, eu não vi mais sentido em ter qualquer tipo de expressão masculina além da que me constitui na minha espontaneidade”.
A transgeneridade nunca foi questão de humor para Laerte. “Ser trans não é uma coisa fácil. Não é uma condição que as pessoas buscam por algum oportunismo doentio. É impossível dizer em que medida a transgeneridade influencia meu trabalho, meu trabalho é parte de mim”. Quando um espectador mencionou que para ele, “toda arte é política”, Laerte brincou: “até Wesley Safadão?”. A artista também completou o pensamento sobre arte engajada. “Eu sou meio cética com essa capacidade da charge de mudar a sociedade. O humor, quando desafia, fica uma coisa estranha, as pessoas não acham muita graça. Eu sou metida em movimentos de esquerda, em movimentos que buscam uma reorganização na sociedade e nesse sentido sim, eu muitas vezes coloquei meu trabalho a serviço disso. Mas eu não gosto muito de trabalho engajado [no humor], acho que perde o rebolado, tira a graça.”
A FestiPoa Literária segue até dia 22 de maio em vários pontos da região central da cidade. Confira a programação:
DIA 19/05 QUINTA-FEIRA
Mesa 1 – Um teto todo nosso: as escritoras e os espaços literários
18h30 – JÚLIA DANTAS, CÍNTIA MOSCOVICH e ELIANE MARQUES
Leituras: ELIANA GUEDES. Mediação: PRISCILA PASKO
Mesa 2 – Encontro com
20h – PAULO SCOTT e ELVIRA VIGNA. Mediação: MOEMA VILELA
Local: Palavraria
Cinema
19h30 – Exibição de TROPYKAOS (Direção: Daniel Lisboa) e debate com o ator GABRIEL PARDAL e a documentarista CAROL ARAUJO
Local: Sala P.F. Gastal (Usina do Gasometro)
Exposição
21h – Abertura da exposição coletiva Ao volante – ilustrações para poema de Fernando Pessoa
22h – Over woman, festa-homenagem às artistas gráficas
Local: Café Cartum
DIA 20/05 SEXTA-FEIRA
Mesa 3 – Bate-papo com as artistas
18h30 – ANA TERRA, ERICA MARADONA e CARLA PILLA. Mediação: FABRIANO ROCHA
A Cidade dos piratas – conversa com
19h30 – PILAR PRADO e OTTO GUERRA
Mesa 4 – Corpo-ficção-poesia-corpo-movimento
20h – ISMAEL CANEPPELE, CARINA SEHN e GABRIEL PARDAL
Mediação: NATASHA CENTENARO
Local: Palavraria
Festa Pornopopeia em Venus
22h30 – CARINA SEHN (performance), RAFAELA MASONI (DJ), ISMAEL CANEPPELE (DJ), BOBBY BAQ (Poesia), LUNA VITROLIRA (Poesia) e ELIZEU BRAGA (Poesia)
Local: Casa Frasca
DIA 21/05 SÁBADO
Papelera, edição especial
14h30 a 20h – Lançamentos de livros, revistas, zines e feira
Mesa 5 – Bate-papo com
14h30 – JOSÉ PEDRO GOULART e PAULO SÉRGIO GUEDES
Leitura A melhor maneira de dizer tudo em 6 minutos
15h34 – NATÁLIA NODARI
Performance: Inspirado em traços reais
15h40 – Bruno Cardoso (performance), Reginaldo Pujol Filho (texto)
Sou Negritude e feminismo
16h – NEGRA JAQUE
Mesa 6 – Estados em Poesia – leituras com os poetas
16h30 – MARIA REZENDE (RJ), EVERTON BEHENCK (RS), LUNA VITROLIRA (PE), NICOLAS NARDI (RS), DIEGO DOURADO (MA), ELIZEU BRAGA (RO), BOBBY BAQ (SP), SAMUEL LUIS BORGES (SP)
Mesa 7 – Explosão
18h30 – MARCELO BACKES comenta o romance Explosão (Hubert Fichte) e lê trechos do livro ainda inédito no Brasil
Local: Goethe Instut Poa
Lançamentos e leituras
20h30 – RICARDO SILVESTRIN (Thypographo), ESCOBAR NOGUEIRA (Borges vai ao cinema com Maria Kodama)
Espetáculo de poesia Carne do umbigo
21h30 – MARIA REZENDE
Festa Gandaia
22h30 – Djs Rafael Ferretti e Pitti Sgarbi
Local: Casa de Teatro
DIA 22/05 DOMINGO
Cidade Sarau
16h a 18h – Sarau coletivo reunindo escritores que fazem saraus em Porto Alegre
Local: Ibis Style Hotel
Recital Caio F – em construção
18h30 – DEBORAH FINOCCHIARO e FERNANDO SESSÉ
Mesa 8 – Arte nas ruas e intervenção urbana
19h – VITAL LORDELO e DIONE MARTINS XADALU. Mediação: NICOLAS NARDI
Local: Aldeia, espaço cultural
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OFICINAS:
ANGÉLICA FREITAS (poesia) – oficina exercícios poéticos e tradução, dirigida a pessoas que já escrevem poesia; na oficina serão traduzidos e reescritos poemas e comentados os resultados. Inscrições no aldeia252@gmail.com
Dias 17 e 19 de maio
Local: Aldeia – espaço cultural
ELOAR GUAZZELLI (desenho e direcao de arte) – oficina com foco no desenho e suas aplicações, tanto no audivisual, quanto nas ilustrações e nos quadrinhos. Inscrições pelo telefone: 51-3013-2015
Dia 19 de maio
Local: Galeria Hipotética
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FILME:
Tropykaos (direção: Daniel Lisboa; elenco: Gabriel Pardal, Manu Santiago, Dellani Lima, Edgard Navarro) – exibição dia 19 de maio, às 19h30, na Sala PF Gastal (Usina do Gasômetro), e debate com o ator GABRIEL PARDAL e a documentarista CAROL ARAUJO.