É falso que prefeitos podem escolher os livros que entram nas escolas públicas

19 de setembro de 2024

Nos últimos anos, a literatura tem sofrido diversos ataques por parte de figuras políticas com base no argumento de que certas obras estariam influenciando o gênero e a sexualidade de crianças e adolescentes nas escolas.

O caso mais recente envolve o candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal. Na última quarta-feira (11), em visita à Bienal do livro de São Paulo, o candidato disse que há livros “ensinando pornografia” e “deturpando ideologia” nas escolas, mas não soube dar exemplos de obras com esse tipo de conteúdo. O intuito do candidato, segundo ele, é criar uma equipe para banir livros da rede municipal de ensino, defendendo que as crianças sejam ensinadas a “não se curvar a comunistas”. Entretanto, os prefeitos não possuem autonomia para estruturar o currículo estudantil das escolas.

Mas como esse processo é realizado? O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é um dos mais antigos voltados para a distribuição de obras pedagógicas, literárias e didáticas nas redes públicas de ensino no Brasil. Os livros são selecionados pelo Ministério da Educação (MEC) a partir de uma avaliação realizada pelos professores e pela equipe pedagógica das escolas.

Por meio de uma consulta às resenhas dos livros listados no Guia do PNLD, professores e dirigentes escolhem as obras a serem utilizadas ao longo dos três anos seguintes. As obras selecionadas devem ser adequadas ao projeto político-pedagógico da escola, ao aluno e ao professor, e também à realidade sociocultural das instituições.

A proposta do candidato Pablo Marçal não poderia ser executada. A seleção de um livro em escolas envolve todo um processo burocrático que depende de professores e de uma equipe pedagógica vistoriados pelo MEC.

O Estado é laico. O que isso significa?

12 de setembro de 2024

A chegada do período eleitoral no Brasil favorece o debate de temas que dividem candidatos e espectros políticos. É o caso da descriminalização do aborto, do ensino religioso nas escolas e da formação das frentes religiosas nas câmaras, como a banca evangélica. Esses temas são tensionados pelo entendimento de que política e religião não podem se misturar, pois esse é o princípio de um Estado laico como o Brasil. Mas o que isso significa na prática? Para o Brasil, a laicidade quer dizer que não há uma religião oficial que rege o país, ou seja, é inconstitucional que qualquer religião interfira em decisões estatais. O Estado laico, também chamado de secular ou não confessional, baseia-se no respeito e proteção de todas as religiões e filosofias de vida.

O primeiro país ocidental a ser considerado laico são os Estados Unidos, pois a Constituição Americana promulgada em 1787 – anterior a Revolução Francesa, já separava o Estado da Igreja. A laicidade foi instaurada no Brasil mais de um século depois, em 1891. Antes disso, a própria Constituição de 1824 instaurava a religião católica apostólica romana como religião do Império. “Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de templo”, dizia o  art. 5º da Constituição de 1824. A liberdade era restrita e o culto público a outras religiões era proibido no Brasil. 

A instauração do Estado Laico também significou uma liberdade de expressão assegurada pelo Estado de forma mais direta. O artigo 220 da Constituição de 1988 diz que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

A laicidade garante, então, dois direitos principais concetados: a separação entre Estado e Igreja; e a liberdade e proteção da crença. Um Estado laico não deve divulgar determinada religião, mas assegurar que todas tenham o direito de existir.

Existem estados não-laicos, ou confessionais, no mundo contemporâneo, como a Grã-Bretanha, o Irã, Israel e a Dinamarca, que têm religiões privilegiadas pelo poder público. No caso desses, o Cristianismo de Confissão Anglicana, o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo de Confissão Luterana. Porém, o fato de um estado ser ou não-laico, não significa que eles atuem da mesma maneira. Um exemplo é a descriminizalização do aborto em Países da Grã-Bretanha, como a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales, onde é permitido fazer um aborto até a 24ª semana de gestação. Nesses países, o sistema público de saúde britânico (NHS) oferece pílulas de interrupção da gravidez para pessoas gestantes até a 10ª semana. 

O Estado laico não é sinônimo de Estado Ateu. Segundo o Observatório de Laicidade da UFF, o Estado Ateu se posiciona contra práticas religiosas, proibindo e perseguindo quaisquer cultos. “Se não consegue proibi-la completamente, dificulta ao máximo suas práticas, inibe sua difusão e desenvolve contínua e sistemática propaganda anti-religiosa. A União Soviética e os Estado socialistas constituídos no leste europeu, assim como a República Popular da China estabeleceram regimes ateus, com base na concepção de que toda e qualquer religião seria fonte de alienação do povo”, exemplifica o grupo de pesquisa.

4 mentiras sobre a Lei Rouanet

10 de setembro de 2024

A Lei Federal de Incentivo à Cultura é alvo constante de desinformação principalmente no período eleitoral. Saiba quais as principais mentiras difundidas sobre o mecanismo de fomento à cultura:

1. O Ministério da Cultura dá dinheiro para os projetos aprovados. Falso. Primeiro, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura aprova os projetos. Depois, esse aval dá direito aos artistas de buscarem doações ou patrocínio com
as empresas, que podem destinar até 4 % do imposto de renda aos projetos. Pessoas físicas também podem apoiar.

2. Só artista famoso tem projeto aprovado na Rouanet. Falso. Apesar de ainda precisar ser muito democratizada, a Lei Rouanet também financia centenas de eventos gratuitos e projetos socioculturais, que promovem impacto social através da arte. Na plataforma Versalic, você pode acessar todos os projetos financiados.

3. Dá pra ficar rico com projeto na Lei Rouanet. Falso. A Lei Rouanet apresenta limites de cachês. Mesmo em projetos que envolvem milhões de reais, o limite para artistas solo é de R$ 25 mil por apresentação. Já grupos artísticos podem receber até R$ 50 mil.

4. Não existe controle de gastos na Rouanet. Falso. Cada projeto aprovado precisa prestar contas no final, o que inclui apresentar todas as notas fiscais e os respectivos comprovantes bancários de cada transferência. Todo o orçamento deve seguir o que foi previamente apresentado à plataforma.

*Transparência: O Nonada tem projetos aprovados captados e em captação na plataforma da Lei Rouanet.

Espetáculo Missa do Pecado não promove intolerância religiosa

30 de agosto de 2024

O espetáculo teatral “Missa do Pecado”, que seria apresentado entre 30 de agosto e 1º de setembro por alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre (RS), foi temporariamente suspenso após uma série de ataques e ameaças. Desde 22 de agosto, a peça vem sendo alvo de desinformação e ataques de influenciadores conservadores, que acusam a produção de promover atos anti-cristãos e intolerância religiosa, com base apenas na divulgação nas redes sociais. O espetáculo ainda não estreou e não foi visto pelo público. 

A professora Patrícia Fagundes, coordenadora do espetáculo, afirma que a obra não critica nenhuma religião. “Repetimos, é uma obra de ficção que fala sobre a vivência, projetos e sonhos de jovens do século XXI”, explica Fagundes. De acordo com a professora, os ataques incluem notas de repúdio, mensagens ofensivas no celular dos integrantes e a exposição dos nomes e imagens dos estudantes envolvidos. 

O Nonada apurou que vídeos de canais de “promoção à fé cristã” também têm fomentado os ataques, divulgando informações sobre a professora e os artistas, incitando denúncias por “perseguição à igreja católica”. O clima de insegurança gerado por esses ataques levou ao adiamento das apresentações por decisão do próprio grupo de alunos. 

A coordenação da peça, que define a obra como uma “celebração do prazer e da liberdade, e de combate à culpa e ao ódio de si”, reafirma que “Missa do Pecado” é uma obra de ficção, e não uma cerimônia religiosa. “Teatro não é realidade, é arte”, enfatiza a professora. O grupo critica ainda a confusão entre ficção e realidade, que tem alimentado discursos de ódio e a propagação de desinformação.

Lei eleitoral não impede que municípios executem Política Nacional Aldir Blanc

30 de julho de 2024

Os municípios brasileiros estão liberados para lançar editais de fomento à cultura no ano de 2024, incluindo os relativos à Política Nacional Aldir Blanc.  É o que aponta o Parecer 19/2023/CNDE/CGU/AGU da Advocacia-Geral da União. 

A liberação vale para chamadas públicas de projetos culturais e para premiações, mesmo sem a previsão de contrapartida. Segundo a AGU, consultada pelo Ministério da Cultura, os editais de fomento à cultura não esbarram na Lei das Eleições desde que a seleção pública seja regida por edital com previsão de critérios objetivos. 

No Parecer, o relator da AGU lembra que a PNAB foi aprovada no Congresso com “a previsão legal de que a União repassará recursos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em anos subsequentes implica, inevitavelmente, na realização de ações de fomento à cultura em anos eleitorais”.  Para ter acesso aos recursos, os municípios enviaram planos de trabalho ao MinC. O Ministério também fornece aos gestores modelos de editais prontos e critérios definidos para serem aplicados nos municípios.

Expediente | Checazap Firmina

Reportagem
Alexandre Briozo Filho
Anna Ortega
Melissa Sayuri
Pedro Tubiana

Ilustrações
Cecília Marins

Coordenação e edição
Thaís Seganfredo

Direção executiva – Nonada Jornalismo
Rafael Gloria

A Checazap Firmina é uma agência acelerada pelo programa Diversidade nas Redações – Desinformação e Eleições, realizado pela Énois Laboratório de Jornalismo.